Artigo: Tributação federal incidente sobre a revenda de energia elétrica adquirida no Ambiente de Contratação Livre

Publicado em 18/11/2019 11:06 | Atualizado em 23/10/2023 12:12
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No Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a comercialização de energia elétrica é realizada em dois formatos. O mais tradicional é o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) no qual os contribuintes recebem a energia de empresas credenciadas, com tarifas pré-fixadas (Eletropaulo, CPFL, entre outros) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL) no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica, por meio de contratos bilaterais livremente negociados.

 

Em busca de maior economia e previsibilidade, com relação aos dispêndios com energia elétrica, o número de empresas que aderem ao Ambiente Contratação Livre vem aumentando consideravelmente, sendo fundamental analisar o impacto tributário desta atividade na seara tributária.

 

Nesse sentido, o primeiro e principal ponto a ser considerado é o fato de que a empresa compra uma determinada cota de energia e, em regra, deve revender a energia que não foi consumida, ou seja, a revenda de energia passa a ser uma prática comum e habitual. Logo, deve-se observar que esta prática deve tornar-se também objeto da exploração da empresa, compondo, portanto, a sua receita bruta, nos termos do art. 208 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018):

 

Art. 208. A receita bruta compreende (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, caput):

I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II - o preço da prestação de serviços em geral;

III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV - as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas no inciso I ao inciso III do caput.

 

Desta forma, com relação à tributação federal, sobre a receita da revenda da energia elétrica incidirá:

 

- IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica);

- CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido);

- PIS/Pasep (Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público);

- Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

 

Ainda, com relação ao PIS/Pasep e Cofins, vale observar que:

 

I) as alíquotas serão de:

 

- 0,65% para o PIS/Pasep e 3% para Cofins no regime cumulativo;

- 1,65% para o PIS/Pasep e 7,6% para a Cofins no regime não cumulativo.

 

II) para as empresas no regime não cumulativo, a aquisição no Ambiente de Contração Livre não é fator impeditivo para que a empresa aproprie crédito das referidas contribuições, desde que:

 

- a energia elétrica seja adquirida de outra pessoa jurídica;

- a energia seja consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica ou revendida; e

- que a empresa possua contrato firmado para cada operação, bem como os documentos fiscais estipulados pela legislação estadual.

 

III) o fato de a energia ser revendida não obriga a empresa a estornar os respectivos créditos de PIS/Pasep e Cofins, uma vez que a Lei nº 10.833/2003 também prevê a possibilidade de apropriação de crédito destas contribuições sobre os dispêndios realizados para a aquisição de bens para revenda.

 

Nestes casos, a empresa também deve proceder à alteração do seu contrato social, incluindo a revenda de energia elétrica como objeto de sua exploração. Nesse ponto, cabe ressaltar que, embora a orientação seja para a inclusão desta atividade no contrato social da empresa, o fato da empresa não realizar tal alteração não a exonera de tratar a receita decorrente da venda de energia elétrica como receita bruta, uma vez que, para a Receita Federal do Brasil, existindo habitualidade, a atividade passa a ser objeto de exploração da empresa.

 

Ademais, é necessário considerar que, na contabilidade, a energia revendida, embora não seja tangível, deve transitar pela conta de estoque, para que assim fique seja possível contabilizar a revenda, bem como se possa mensurar o custo.

 

Existe ainda outro ponto a ser destacado. Em alguns casos, a empresa paga a fatura referente à aquisição de energia elétrica em um determinado mês e, após dois ou três meses, recebe um valor, a título de compensação, pago pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica em virtude de uma revisão dos valores praticados no mercado. Neste ponto, o entendimento é que este valor recebido configura demais receitas para a empresa, sendo integralmente adicionado à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, além de ter a incidência de PIS/Pasep e Cofins para as empresas que estão no regime não cumulativo.

 

Além disso, há a possibilidade de algumas empresas aderirem ao Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) que, por sua vez, é um regime especial de tributação do PIS/Pasep e Cofins. Nestes casos, as receitas das operações de compra e venda de energia elétrica, no âmbito do MAE, auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas ao MAE estão excluídas do regime de incidência não cumulativa das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins, ou seja, sobre tais receitas, incidem as contribuições calculadas pelas alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, sem a possibilidade de aproveitamento de créditos.

 

Por fim, destaca-se que as observações acima realizadas aplicam-se apenas para as empresas que apuram o seu Imposto de Renda pelo Lucro Presumido ou Lucro Real, tendo em vista que o art. 15, XVII, da Res. CGSN nº 140/2018 veda expressamente que empresas optantes pelo Simples Nacional comercializem energia elétrica.

 

Tal entendimento foi confirmado pela Receita Federal do Brasil em análise à Solução de Consulta apresentada sobre o tema:

 

Despacho Decisório Disit SRRF02 nº xx/2019

Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário

Ementa: Processo de Consulta. Ineficácia.

É ineficaz a consulta quando o fato estiver definido ou declarado em disposição literal da lei.

Consulta Ineficaz.

 

Isto posto, nos casos em que a empresa venha a adquirir energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre, é imprescindível que sejam analisados todos os impactos que esta operação produzirá, a fim de que seja dado o tratamento tributário correto para esta operação, evitando, assim, que a economia gerada importe em transtornos para a empresa.

 

Guilherme Palermo

Consultor da Área de Tributos Federais, Legislação Societária e Contabilidade