Artigo: Terceiro Setor e os limites da imunidade/isenção tributária

Publicado em 22/07/2019 09:38
Tempo de leitura: 00:00

Nos últimos anos, observamos um significativo aumento no Terceiro Setor, com o estabelecimento de diversas entidades sem fins lucrativos, as quais vêm desempenhando cada vez mais funções de extrema relevância social. Nesse sentido, é válido ressaltar que:

 

- o primeiro setor é o governo, que é responsável pelas questões sociais;

- o segundo setor é o privado, responsável pelas questões individuais; e

- o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público.

 

As entidades do terceiro setor, também conhecidas como Organizações Não Governamentais (ONGs) ou, ainda, Instituições sem fins lucrativos, gozam de imunidade ou isenção tributária, de acordo com a sua constituição e finalidade. Este tema possui relativa complexidade, merecendo atenção especial os limites da imunidade e isenção, que passaremos a analisar.

 

A princípio, é essencial destacar que nenhuma entidade é imune e isenta. Em outros termos, ou a instituição é imune ou é isenta e, para isso, é fundamental entendermos a diferença das duas situações:

 

- a imunidade é uma hipótese de não incidência tributária constitucionalmente qualificada, ou seja, é uma limitação que a própria Constituição Federal/88 trouxe quanto ao poder de tributar, logo, o fato gerador do imposto não chega a acontecer.

 

- por sua vez, a isenção decorre de uma norma infraconstitucional que impede a incidência da norma de tributação. Em outras palavras, a isenção não impede o nascimento da obrigação tributária e, sim, impede o aparecimento do crédito tributário, que corresponderia à obrigação surgida.

 

Isto posto, a principal distinção entre isenção e imunidade é que a isenção é a retirada, mediante lei, da possibilidade de tributar, ou seja, o ente federativo pode exercer a tributação. No entanto, por política de gestão pública, opta pela renúncia da receita. Já a imunidade é a impossibilidade originária de tributação, isto porque a CF/88 não deu possibilidade/competência para o ente federativo tributar sobre aquele fato.

 

Ademais, a imunidade tributária está prevista no art. 150 da CT/88:

 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI – instituir impostos sobre:

[...]

b) templos de qualquer culto;

[...]

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

 

Além da previsão constitucional, para que as instituições de educação ou de assistência social gozem da imunidade fiscal, elas precisam atender os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.532/1997.

 

A Lei nº 9.532/1997 traz também em seu artigo 15 as disposições acerca das entidades isentas:

 

Art. 15. Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.

 

Ainda, com relação à diferença entre imunidade e isenção é fundamental destacar que a imunidade somente poderia ser extinta por meio de Emenda a Constituição, que tem processo legislativo complexo e com necessidade de quórum qualificado. Por seu turno, como as isenções são concedidas por meio de leis, elas também podem ser revogadas com a simples edição de uma lei ordinária.

 

Finalmente, vamos analisar as questões da limitação da imunidade/isenção:

 

- em regra, a imunidade e isenção são apenas relativas a Impostos (Imposto de Renda, IPTU, entre outros). Entretanto, existe previsão de imunidade/isenção para algumas contribuições (CSLL, Cofins) e taxas específicas (algumas taxas administrativas);

 

- a imunidade/isenção somente se restringe à obrigação principal, permanecendo assim as obrigações acessórias;

 

- por força do Código Tributário Nacional, a norma que versa sobre imunidade e isenção devem ser interpretadas literalmente, ou seja, o intérprete deve se restringir à literalidade do texto, não sendo possível aplicar analogias para estender os benefícios trazidos pela legislação.

 

- além disso, é fundamental nos atentarmos à atuação dessas entidades, uma vez que estas são criadas para exercerem atividades de caráter filantrópico, educacional, recreativo, cultural, científico e de assistência social e, a partir do momento em que extrapolarem às suas áreas de atuação, executando, por exemplo, atividades mercantis com o intuito de auferir lucros, podem perder o direito à imunidade ou isenção concedida pelo ente governamental.

 

- outro ponto controverso é com relação ao recolhimento do PIS-Folha, pois quer estas entidades sejam imunes ou isentas, elas estão obrigadas ao recolhimento e, seguindo o entendimento da Receita Federal, somente estão imunes ao PIS incidente sobre a folha de salários as entidades beneficentes de assistência social que atendam aos requisitos legais (previstos nos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional (CTN) e no artigo 29 da Lei nº 12.101/2009) e possuam a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas). Por sua vez, as entidades que não se enquadrem nos requisitos acima descritos não gozam da imunidade do PIS sobre a folha de salários.

 

- por fim, ainda é necessário destacar que as entidades imunes ou isentas gozam, respectivamente, de imunidade ou isenção com relação ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), além disso, não sofrem incidência do PIS/Pasep sobre o faturamento uma vez que são contribuintes apenas do PIS-Folha. Por sua vez, com relação a Cofins, apenas não há incidência desta contribuição sobre as receitas relativas às atividades próprias da entidade, sendo assim consideradas somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembleia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto e destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais. No entanto, outras receitas que não decorram destas fontes acima descritas, tais como venda de mercadorias e produtos, prestação de serviços diversos do que constam previsto no Estatuto Social, dentre outras, estão sujeitas ao recolhimento da Cofins, sendo apurada no regime cumulativo para as entidades imunes e no regime não-cumulativo para as entidades isentas, com exceção das entidades que possuem CEBAS, que por sua vez não são contribuintes da Cofins, ainda que estas receitas não decorram de suas atividades.

 

Desta forma, considerando a complexidade da legislação tributária nacional e o aumento significativo das entidades do terceiro setor, com certeza observaremos um aumento na demanda deste ramo, o que exigirá atualização constante dos profissionais a fim de atender as particularidades inerentes a este eixo, evitando, assim, problemas com o Fisco, que podem acarretar inclusive na perda da qualidade de entidade imune ou isenta.

 

Guilherme Palermo dos Santos

Consultor - Área de Tributos Federais, Legislação Societária e Contabilidade