Artigo - Pejotização” nas relações de trabalho – Riscos e implicações

Publicado em 11/07/2025 09:18 | Atualizado em 11/07/2025 09:19
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A pejotização, fenômeno cada vez mais comum nas relações de trabalho, consiste na contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas por eles próprios constituídas, com o objetivo de mascarar uma típica relação de emprego e, assim, afastar a aplicação da legislação trabalhista. Essa prática, à primeira vista revestida de legalidade formal, pode configurar verdadeira fraude quando utilizada para burlar direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Nos termos do art. 3º, da CLT, é considerado empregado a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a um empregador, sob sua dependência e mediante salário. Assim, os elementos essenciais que caracterizam o vínculo empregatício são: a habitualidade, ou seja, a prestação contínua de serviços; a subordinação, que se traduz na sujeição do trabalhador às ordens do empregador; a onerosidade, que pressupõe o pagamento de salário como contraprestação pelos serviços prestados; e a pessoalidade, que exige que o trabalho seja executado diretamente pelo contratado, sem possibilidade de substituição por terceiros.

Diante desses elementos, observa-se que a relação de emprego se estabelece a partir da realidade vivenciada no cotidiano da prestação de serviços, independentemente da roupagem jurídica conferida pelas partes. Nesse sentido, o Direito do Trabalho consagra o princípio da primazia da realidade, segundo o qual, em caso de divergência entre a forma e a prática, prevalece a realidade fática. Com base nesse princípio, o art. 9º, da CLT, também dispõe que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da legislação trabalhista.

É justamente nesse cenário que se insere a pejotização, pois, ainda que exista um contrato formal celebrado entre a empresa tomadora de serviços e uma pessoa jurídica, se a prestação for realizada de forma pessoal, contínua, subordinada e remunerada, restará evidenciada uma fraude à legislação trabalhista, sendo plenamente possível o reconhecimento do vínculo empregatício com a real tomadora dos serviços.

Além da evidente ofensa aos direitos sociais constitucionalmente assegurados, a pejotização acarreta sérias consequências ao trabalhador, que deixa de ter acesso a direitos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, férias com acréscimo de um terço, limitação da jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, proteção contra despedida arbitrária, estabilidade em casos específicos, além da cobertura previdenciária adequada. Trata-se, portanto, de prática que precariza as relações de trabalho e desequilibra a equação contratual, comprometendo a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana.

A jurisprudência trabalhista é firme no sentido de rechaçar tais práticas, reconhecendo a existência de vínculo empregatício sempre que demonstrados os elementos caracterizadores da relação de emprego, ainda que o trabalhador tenha sido contratado por intermédio de pessoa jurídica.

Para corroborar, vejamos os seguintes julgados:

TRT-9 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA: ROT 4884120205090013 - PEJOTIZAÇÃO. ELEMENTOS DOS ARTS. 2º E 3º DA CLT . VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO. O fato de o trabalhador ter prestado serviço, de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, para a reclamada, sob o véu de uma pessoa jurídica, mediante a emissão de notas fiscais em razão dos pagamentos que recebia, caracteriza a famigerada "pejotização" que objetiva fraudar a relação empregatícia por meio de artifícios meramente formais que não encontram abrigo no Direito do Trabalho, sobretudo em razão do princípio da primazia da realidade. Assim, presentes os elementos dos arts. 2º e 3º da CLT , impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes. (https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-9/1568676298)

TRT-3 - ROT 111358520235030004 - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. "PEJOTIZAÇÃO".NULIDADE. ARTS. 2º E 3º DA CLT . VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. Demonstrando o conjunto probatório coligido aos autos que a prestação de serviços se deu nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT , apesar de mascarada pela contratação de empresa constituída pela reclamante para esse fim ("pejotização"), impõe-se declarar a nulidade do contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, com o reconhecimento do vínculo de emprego pretendido. 

Deste modo, à luz do ordenamento jurídico, resta evidente que a prática da pejotização não encontra respaldo legal quando utilizada para camuflar relações de emprego genuínas. Ainda que muitas vezes embasada em aparente autonomia contratual, essa modalidade de contratação revela-se lesiva ao trabalhador e à própria ordem jurídica, ao subtrair garantias essenciais à manutenção de condições dignas de labor.

Sendo assim, é essencial que empregadores tenham plena ciência dos riscos envolvidos na adoção da pejotização como forma de contratação, já que, embora, à primeira vista, essa prática possa aparentar trazer maior flexibilidade ou redução de encargos, expõe a empresa a um elevado passivo trabalhista, com possibilidade de reconhecimento judicial do vínculo empregatício e a consequente condenação ao pagamento de verbas retroativas, sem prejuízo de outras penalidades.

 

Alan Rabeca Ferreira

Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária