Artigo: Limite de atuação das entidades imunes ou isentas

Publicado em 18/10/2021 09:44 | Atualizado em 23/10/2023 13:28
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Nos últimos anos, a enorme crescente de demandas sociais em contraponto com a ineficácia do Estado fez com que o terceiro setor ganhasse cada vez mais corpo e importância na sociedade.

 

Inicialmente, é importante identificarmos que o primeiro setor é o governo, que é responsável pelas questões sociais; o segundo setor é o privado, responsável pelas questões individuais; e o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público.

 

As entidades do terceiro setor, também conhecidas como Organizações Não Governamentais (ONGs) ou ainda, Instituições Sem Fins Lucrativos gozam de imunidade ou isenção tributária, de acordo com a sua constituição e finalidade. Este tema possui relativa complexidade, merecendo atenção especial os limites da imunidade e isenção, que passaremos a analisar.

A imunidade é uma hipótese de não incidência tributária constitucionalmente qualificada, ou seja, é uma limitação que a própria Constituição Federal/1988 trouxe quanto ao poder de tributar, logo, o fato gerador do imposto não chega a acontecer.

 

Por seu turno, a isenção decorre de uma norma infraconstitucional que impede a incidência da norma de tributação. Em outras palavras, a isenção não impede o nascimento da obrigação tributária, e sim, impede o aparecimento do crédito tributário, que corresponderia à obrigação surgida.

 

E essa distinção não é apenas teórica, ela reflete em questões práticas, por exemplo, a isenção de determinado tributo pode ser extinta mediante aprovação de uma nova Lei, já a imunidade é garantida pela Constituição, logo, sua alteração depende de uma alteração na Constituição Federal que, por sua vez, é um procedimento complexo e que exige um quórum qualificado.

 

Outro exemplo, é a Cofins incidente sobre receitas não decorrentes da atividade da entidade, uma vez que, as entidades imunes estão sujeitas ao regime cumulativo da Cofins, diferente das entidades isentas que, por seu turno, estão sujeitas ao regime não cumulativo da Cofins, e nesse sentido poderíamos listar uma série de diferenças, sendo essencial a correta classificação da entidade.

 

Mas, como tudo na vida, a imunidade/isenção, também tem seus limites, vejamos:

 

- em regra, a imunidade/isenção são apenas relativas a Impostos (Imposto de Renda, IPTU, entre outros), entretanto, existe previsão de imunidade/isenção para algumas contribuições (CSLL, Cofins) e taxas específicas (algumas taxas administrativas);

- a imunidade/isenção somente se restringe a obrigação principal, permanecendo assim as obrigações acessórias (DCTF, ECD, ECF, Dirf, EFD-Contribuições);

- por força do Código Tributário Nacional, as normas que versam sobre imunidade/isenção devem ser interpretadas literalmente, ou seja, o intérprete deve se restringir à literalidade do texto, não sendo possível aplicar analogias para estender os benefícios trazidos pela legislação.

 

Além disso, é fundamental nos atentarmos a atuação dessas entidades, uma vez que estas são criadas para exercerem atividades de caráter filantrópico, educacional, recreativo, cultural, científico e de assistência social, e a partir do momento em que extrapolarem as suas áreas de atuação podem perder o direito à imunidade ou isenção concedida pelo ente governamental, fato pelo qual se revela importa a análise dos posicionamentos da Receita Federal do Brasil (RFB) quanto ao tema:

 

Em março deste ano, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit nº 58/2021 dispondo que os rendimentos auferidos pela entidade em razão da locação, comercialização de bens ou prestação de serviços podem constituir meios eficazes para o cumprimento dos objetivos da entidade, inserindo-se, portanto, entre as atividades próprias desta entidade, desde que a realização de tais atos guarde pertinência com as atividades previstas em seu Estatuto Social e desde que a entidade favorecida não se sirva da exceção tributária para, em condições privilegiadas, concorrer com pessoas jurídicas que não gozem da isenção:

 

Solução de Consulta Cosit nº 58/2021        

[...]

Os rendimentos auferidos pela entidade em razão da locação ou comercialização de bens e prestação de serviços, ainda que em caráter contraprestacional, uma vez que sejam aportados à consecução da finalidade precípua, podem constituir meios eficazes para o cumprimento dos seus objetivos e inserir-se entre as atividades próprias daquela, se a realização de tais atos guardar pertinência com as atividades descritas no respectivo ato institucional e desde que a entidade favorecida não se sirva da exceção tributária para, em condições privilegiadas, concorrer com pessoas jurídicas que não gozem da isenção.

 

[sem grifos no original]

 

No entanto, recentemente editou outro entendimento, a Solução de Consulta Cosit nº 121/2021, dispondo que a aquisição de participação societária por parte das organizações sociais qualificadas a gozar de imunidade e isenção tributárias, afasta o direito ao gozo das benesses fiscais, uma vez que a legislação condiciona a isenção ou imunidade à aplicação da integralidade dos recursos obtidos na manutenção dos objetivos estatutários da entidade, e não na aquisição participação em sociedade empresária, que possui inerente fim lucrativo:

 

Solução de Consulta Cosit nº 121/2021

[...]

A aquisição de participação societária por parte das organizações sociais qualificadas a gozar de imunidade e isenção tributárias, afasta o direito ao gozo das benesses fiscais por contrariedade ao requisito de que todas as rendas, recursos e eventual superávit sejam aplicados integralmente na manutenção dos seus objetivos, que devem ser a prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, sem fins lucrativos, e não a participação em sociedade empresária, que possui inerente fim lucrativo.

 

[sem grifos no original]

 

Nesse sentido, a entidade que pretenda exercer alguma atividade contraprestacional, deve inicialmente analisar as possibilidades e limitações do seu Estatuto Social e, caso encontre amparo no Estatuto para realizar tal atividade deve verificar se o exercício desta atividade constitui meio eficaz para que a entidade cumpra seus objetivos estatutários, bem como aplique todo o valor arrecadado na consecução da finalidade para qual foi constituída. Ademais, não pode a entidade usar as benesses fiscais para, em condições privilegiadas, concorrer deslealmente com pessoas jurídicas que não gozem da isenção ou imunidade.

 

Por fim, considerando a complexidade da legislação tributária acerca do assunto e o aumento significativo das entidades do terceiro setor, é certo que observaremos um aumento significativo na demanda deste ramo, o que exigirá atualização constante dos profissionais a fim de atender as particularidades inerentes a este eixo, evitando, assim, problemas com o Fisco, que podem acarretar inclusive na perda da qualidade de entidade imune ou isenta.

 

Guilherme Palermo dos Santos

Consultor da área de Impostos Federais, Legislação Societária e Contabilidade