Artigo: LGPD aplicada aos contratos e estatutos sociais
Publicado em 30/08/2021 11:26Com o início das aplicações das sanções, muitas dúvidas têm surgindo com relação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas (LGPD), suas aplicações e limites e, dentre as dúvidas mais recorrentes, destaco a aplicação da LGPD aos contratos e estatutos sociais.
Antes de adentrar ao tema específico, é válido destacar que a Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), foi editada para disciplinar o tratamento de dados pessoais, a fim de garantir os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Ainda nesse ponto, se faz necessário destacar alguns conceitos trazidos pela legislação:
- dado pessoal: informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável;
- tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem à coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração; e
- uso compartilhado de dados: comunicação, difusão, transferência internacional, interconexão de dados pessoais ou tratamento compartilhado de bancos de dados pessoais por órgãos e entidades públicas no cumprimento de suas competências legais, ou entre esses e entes privados, reciprocamente, com autorização específica, para uma ou mais modalidades de tratamento permitidas por esses entes públicos, ou entre entes privados.
Além disso, é importante destacar que, a LGPD aplica-se a qualquer operação de tratamento de dados realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio e de sua sede.
Por outro lado, a legislação societária exige que os contratos e estatutos sociais, que posteriormente serão disponibilizados ao público, contenham uma série de dados pessoais, vejamos a previsão do Código Civil:
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Sendo assim, já podemos concluir que a LGPD também se aplica aos contratos e estatutos sociais, seja para a pessoa jurídica, quanto a Junta Comercial ou Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, bem como as pessoas que tenham acesso a estes documentos, logo, todos que realizam o tratamento destes dados devem observar as regras previstas na LGPD.
Por seu turno, merece destaque o fato de que a LGPD não altera ou suprime quaisquer leis ou regulações e provimentos aplicáveis ao registro das pessoas jurídicas, sendo um instrumento adicional que veio disciplinar a forma como os dados pessoais deverão ser tratados, logo, as disposições aplicáveis aos contratos e estatutos sociais permanecem as mesmas, competindo apenas às pessoas naturais e jurídicas a observância das disposições previstas na LGPD.
Nesse sentido, a própria LGPD autoriza o tratamento de dados quando realizado para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, bem como a disponibilização publica dos dados, quando estiver pautado pelos princípios da finalidade, boa-fé e interesse público que justificam sua disponibilização.
Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
[...]
II - para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
[...]
§ 3º O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
Isto posto, os contratos e estatutos sociais devem continuar sendo elaborados com todas as informações exigidas pela legislação, uma vez que, ainda que contenham dados pessoais, a sua disponibilização está pautada no interesse público. No entanto, os contadores, advogados, credores, Junta Comercial e demais órgãos devem prezar pela segurança dos dados tratados, bem como observem todos os regramentos previstos na LGPD a fim de evitar aplicações das sanções previstas.
Guilherme Palermo dos Santos
Consultor da área de Impostos Federais, Legislação Societária e Contabilidade