Artigo - Furto de pertences dos empregados na empresa e a responsabilidade do empregador
Publicado em 06/03/2023 11:12 | Atualizado em 23/10/2023 13:44De início, ressalta-se que é obrigação do empregador zelar pela segurança e saúde dos empregados e seus pertences no ambiente de trabalho.
Entretanto, inexiste previsão legal expressa que obrigue o empregador a reembolsar ou indenizar o trabalhador que tiver seus pertences danificados, furtados ou roubados nas dependências da empresa.
Isso se dá porque, em regra, a responsabilidade civil do empregador é subjetiva, ou seja, para que nasça o dever de indenizar, nos moldes do art. 927, do Código Civil, é preciso que exista um ato ilícito, a demonstração da culpa ou do dolo do agente, bem como a existência de um prejuízo para a vítima. Ato ilícito, conforme reza os arts. 186 e 187, do Código Civil, é aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, bem como também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Assim, salvo nos casos de atividade de risco, nos quais a responsabilidade do empregador é objetiva, ou seja, independe da demonstração de dolo ou culpa, o empregador somente terá a obrigação de indenizar um empregado caso estejam presentes os três requisitos supramencionados.
Nessa mesma toada, inexiste previsão na legislação trabalhista que obrigue o empregador a fornecer um espaço para que os empregados estacionem os seus veículos. Essa previsão pode existir em documento coletivo de trabalho, o qual deve ser consultado, ou por mera liberalidade do empregador.
Contudo, existem julgados no âmbito da Justiça do Trabalho que deixam certo que, na hipótese de a empresa fornecer um local para que os empregados guardem os seus veículos ou meios de locomoção, bem como armários para guarda de pertences, ainda que de forma gratuita, ela assume o dever de guarda sobre o bem.
No primeiro caso, o entendimento trabalhista é pela aplicação de forma analógica da Súmula nº 130, do STJ, a qual deixa certo que, na sistemática da legislação consumerista, a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento. Nesse sentido, segue o julgado abaixo:
“DANOS MATERIAIS. FURTO DE BICICLETA DENTRO DAS DA EMPRESA. DEVIDA INDENIZAÇÃO. DEPENDÊNCIAS. A empregadora tem a obrigação de garantir a segurança do patrimônio de seus empregados enquanto estes estão trabalhando. Ao permitir o furto de bicicleta da autora dentro das suas dependências, agiu com negligência, atraindo a incidência dos art. 186 e 927 do Código Civil, bem como a aplicação analógica da Súmula 130 do STJ.” (https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-5/159724747).
Do mesmo modo é o entendimento acerca de bens guardados em armários, conforme se depreende do precedente abaixo:
“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. FURTO DE CELULAR. ARMÁRIO NO LOCAL DE TRABALHO. DEVER DE GUARDA DA EMPRESA. CULPA IN VIGILANDO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. “Como deve a empresa ofertar, e efetivamente oferta, aos empregados local apropriado para guarda de pertences pessoais dos empregados, passa a ser responsável pela integridade dos objetos que lhes foram depositados e confiados.” (TRT 17ª R., RO XXXXX-59.2014.5.17.0014, Rel. Desembargador José Carlos Rizk, DEJT 19/02/2015).
Ainda, o fato de a concessão do local não estar prevista em contrato de trabalho, por si só, não é fato suficiente a afastar a responsabilização da empresa, eis que no Direito do Trabalho vigora o princípio da primazia da realidade, o qual dispõe que, em uma relação de trabalho, o que realmente importa são os fatos que ocorrem, mesmo que algum documento formalmente indique o contrário. Desse modo, se a empresa fornece ou mesmo tolera que os empregados guardem os seus veículos ou meios de locomoção nas dependências do estabelecimento, bem como em armários em suas dependências, ela toma para si a responsabilidade pela guarda deles, podendo, em princípio, ser responsabilizada por eventuais danos causados.
Portanto, como regra, o empregador não tem obrigação legal de conceder um espaço para que os empregados guardem os seus veículos ou meios de locomoção, bem como armários para que guardem seus pertences. Contudo, na hipótese de a empresa fornecer um local para guarda, ou mesmo tolerar que os empregados o utilizem e, em ocorrendo o furto de pertences, é possível que, no caso concreto, ela seja condenada a indenizar o trabalhador pelos danos materiais sofridos, mesmo que a concessão do local não esteja prevista em contrato de trabalho. Isso se dá porque é obrigação do empregador zelar pela segurança e saúde dos empregados e seus pertences no ambiente de trabalho.
Por fim, o documento coletivo de trabalho da categoria deve ser consultado, pois ele poderá trazer alguma previsão específica sobre o assunto, a qual, se houver, deve ser aplicada.
João Pedro de Sousa Porto
Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária