Artigo: Dispensa de empregado por embriaguez no trabalho
Publicado em 11/10/2021 14:29 | Atualizado em 23/10/2023 13:28De início, lembramos que uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação trabalhista ocorre quando constatada a embriaguez habitual ou em serviço do trabalhador, conforme art. 482, f, da CLT.
Neste contexto, é importante destacar que a embriaguez pode ser dividida em habitual (crônica) ou embriaguez "no trabalho" (ocasional). Esta se dá necessariamente no ambiente de trabalho e aquela, constitui um vício ou até mesmo uma enfermidade. Nesse sentido, vale destacar que a OMS (Organização Mundial da Saúde) formalmente já reconheceu o alcoolismo crônico como doença elencada no Código Internacional de Doenças – CID.
Ademais, importante constar que a embriaguez habitual tem sido vista perante a Justiça do Trabalho mais como enfermidade do que como vício social, o que, perante os Tribunais Trabalhistas, merece um tratamento e acompanhamento médico ao invés de se extinguir o contrato por justa causa. Nesta hipótese, orientamos que o médico do trabalho faça uma avaliação no trabalhador, para analisar se o caso é de embriaguez crônica ou não.
Ainda, prevalece o entendimento de que a Constituição Federal/1988 prima pela proteção à saúde, além de adotar como fundamento a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 1º, incisos III e IV, e 6º). A Justiça do Trabalho tem repudiado o ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador em caso de embriaguez crônica.
Corroboram os seguintes julgados esse entendimento:
RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. REINTEGRAÇÃO. A OMS formalmente reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID). Diante de tal premissa, a jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de admitir o alcoolismo como patologia, fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo. A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar, como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. RR-130400-51.2007.5.09.0012
EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, 'F', DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de -síndrome de dependência do álcool- (referência F- 10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição. 2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, -f-, da CLT, no que tange à embriaguez habitual. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo. 4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional.- (Processo: ED-E-RR - 586320-51.1999.5.10.5555 Data de Julgamento: 19/04/2004, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 21/05/2004).
Com efeito, em se tratando de empregado que apresenta uma embriaguez crônica, o empregador não deve dispensá-lo por justa causa, nem tampouco puni-lo, segundo entendimento majoritário da jurisprudência trabalhista, devendo afastá-lo e encaminhá-lo para a Previdência Social, após o pagamento dos 15 primeiros dias de sua responsabilidade, a fim de que este tenha a oportunidade de se reabilitar.
No que tange à dispensa sem justa causa, no caso do empregado que apresenta uma embriaguez crônica, a qual, frise-se, é considerada como uma doença, o entendimento da Justiça do Trabalho tem sido de que a dispensa é considerada discriminatória, ficando a empresa sujeita à reintegração do empregado e ao pagamento de indenização por danos morais, caso haja uma disputa judicial nesse sentido.
Corroboram nesse sentido, os seguintes julgados:
RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DANOS MORAIS . O quadro descrito pelo Regional demonstra que o reclamante é portador de alcoolismo crônico, enfermidade catalogada no Código Internacional de Doenças pela Organização Mundial da Saúde - OMS como Síndrome de Dependência do Álcool (substância psicoativa que compromete o funcionamento do cérebro e, consequentemente, as funções cognitivas do indivíduo). Assim, a dispensa sem justa causa nesse caso afronta a dignidade da pessoa humana e presume-se discriminatória, na forma da Súmula nº 443 do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 10709320145090872, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 19/04/2017, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2017)
ALCOOLISMO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INVALIDADE. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Considerando que o autor era portador de alcoolismo, doença crônica formalmente reconhecida pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde - OMS, caberia à reclamada proceder à suspensão do contrato de trabalho, seguida de encaminhamento do empregado ao INSS. Contudo, a empresa ré tratou a referida doença como simples embriaguez e desvio de conduta justificador de rescisão do contrato de trabalho, impondo-se, assim, o reconhecimento da invalidade da dispensa. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. (TRT-17 - RO: 00004014120165170001, Relator: JAILSON PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 22/07/2019, Data de Publicação: 08/08/2019)
Por outro lado, em se tratando de embriaguez "no trabalho" ou ocasional, o empregador, exercendo seu poder fiscalizador e de punição, nos moldes do prelecionado no art. 2°, da CLT, poderá adotar penalidades disciplinares mais severas contra o empregado, em se verificando a falta de interesse por parte deste na manutenção do contrato de trabalho. Neste caso, é possível a aplicação de advertências por escrito, suspensão disciplinar e até mesmo a dispensa por justa causa, caso a conduta faltosa do trabalhador seja reiterada.
Portanto, em se tratando de embriaguez crônica, a qual é considerada uma doença, o empregador não deve dispensar o empregado, seja sem justa causa ou por justa causa, tampouco deve aplicar punições, devendo encaminhar o empregado para tratamento médico e reabilitação. Nesse contexto, ressalte-se que a dispensa sem justa causa do trabalhador nesta condição tem sido considerada como discriminatória pela Justiça do Trabalho.
Por outro lado, não sendo considerada a embriaguez do trabalhador uma doença, ou seja, em se tratando de à embriaguez "no trabalho" ou ocasional, o empregador poderá realizar a dispensa sem justa causa, ou, ainda, a aplicação de advertências por escrito, suspensão disciplinar e até mesmo a dispensa por justa causa, caso a conduta faltosa da trabalhadora seja reiterada, nos moldes acima mencionados.
Por fim, para evitar discussão no âmbito da Justiça do Trabalho, sempre orientamos que o médico do trabalho seja consultado para analisar se o caso do empregado é de embriaguez crônica/habitual ou pontual.
Alany Martins
Consultora Trainee da Área Trabalhista/Previdenciária