Artigo: Controle de ponto por exceção - Alteração trazida pela Reforma Trabalhista e validada pela jurisprudência

Publicado em 15/07/2019 10:00 | Atualizado em 20/10/2023 20:36
Tempo de leitura: 00:00

De acordo com o art. 74, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, para os estabelecimentos com mais de 10 empregados, é obrigatória a marcação de ponto, com a anotação da hora de entrada e de saída, devendo ser pré-assinalados os intervalos para repouso.

 

Ademais, é entendimento pacificado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho de que é ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados no estabelecimento o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário (Súmula n° 338, do C.TST).

 

A marcação de ponto pode ser feita em registros manuais, mecânicos ou eletrônicos, a critério do empregador. Porém, se o meio eletrônico for adotado, deverão ser seguidas as instruções da Portaria MTE nº 1.510/2009.

 

Além disso, a princípio, é possível a existência do chamado "ponto por exceção", que é um sistema alternativo de controle da jornada de trabalho, que pode ser adotado pelo empregador desde que autorizado por convenção ou acordo coletivo de trabalho, devendo ser observados os procedimentos colacionados na Portaria MTE n° 373/2011.

 

No chamado “ponto por exceção”, há marcação apenas da jornada extraordinária eventualmente realizada, ou seja, dispensa o empregado de anotar sua entrada, saída e intervalos. O profissional apenas marca as horas extras realizadas, por exemplo, não tendo que se preocupar com o início e o término da jornada.

 

Entretanto, no âmbito da Justiça do Trabalho, prevalecia o entendimento no sentido de que os registros de ponto por exceção são nulos, por violarem normas referentes à fiscalização do trabalho, em especial o art. 74, § 2º, da CLT. Corroboravam com esse entendimento, os seguintes julgados:

 

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014. REGISTRO DE PONTO POR EXCEÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. Conforme a jurisprudência desta Corte, é inválida a cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho que autoriza o sistema de registro de ponto por exceção, por afrontar o art. 74, § 2º, da CLT , norma de ordem pública, infensa à negociação coletiva. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. TST - RECURSO DE REVISTA RR 15191420135120028 (TST)

 

CONTROLE DE PONTO POR EXCEÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Na esteira do entendimento consolidado na Mais Alta Corte Trabalhista, não se mostra compatível com o art. 74, §2º, da CLT a adoção de controle de ponto por exceção, por meio do qual as jornadas pré-registradas apenas são alteradas quando da prestação de horas extras ou qualquer outra eventualidade, sendo tal procedimento, inclusive, vedado pela Portaria 373/2011 do MTE. TRT-5 - Recurso Ordinário RecOrd 00005825220145050193 BA 0000582-52.2014.5.05.0193 (TRT-5)

 

Contudo, a Lei n° 13.467/2017, comumente chamada de “Reforma Trabalhista”, nos termos do art. 611-A, da CLT, prestigiou a prevalência do negociado sobre o legislado deixando certa a possibilidade da negociação coletiva sobre “modalidade de registro de jornada de trabalho” (inciso X, do artigo 611-A, da CLT).

 

Ademais, insta consignar que a Constituição Federal de 1988, em dispositivos autoaplicáveis e não dependentes de regulamentação específica, é clara ao reconhecer a validade da negociação coletiva, como modelo de normatização autônoma, em respeito ao princípio da autonomia coletiva privada dos sindicatos:

 

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho".

 

Ressalte-se que a negociação coletiva é um instrumento valioso que nosso ordenamento jurídico coloca à disposição dos sujeitos trabalhistas para regulamentar as respectivas relações de trabalho, atendendo às particularidades e especificidades de cada caso. É inequívoco que, no âmbito da negociação coletiva, os entes coletivos atuam em igualdade de condições, o que torna legítimas as condições de trabalho por eles ajustadas, na medida em que afasta a hipossuficiência ínsita ao trabalhador nos acordos individuais de trabalho.

 

Diante de tal alteração, recentemente, a Seção de Dissídios Coletivos do TST, por maioria, deu provimento a recurso ordinário para considerar válida cláusula constante de acordo coletivo de trabalho que estabeleceu sistema de controle de jornada por exceção, no qual o empregado anota no registro de ponto somente situações excepcionais, como faltas, saídas antecipadas, atrasos, licenças e horas extras.

 

No mesmo sentido, seguem as seguintes decisões, todas da lavra do C.TST:

 

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. PONTO POR EXCEÇÃO. ESTIPULAÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. VALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF. PROVIMENTO. I. A Corte Regional entendeu pela invalidade da norma coletiva em que se adotou sistema de registro de ponto por exceção, segundo o qual são consignadas apenas as exceções à jornada ordinária de trabalho, com a dispensa do controle formal de horários de entrada e saída do empregado. II. O entendimento adotado pela Corte de origem viola o disposto no art. 7º, XXVI, da CF, razão pela qual o processamento do recurso de revista é medida que se impõe. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003 do TST. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. PONTO POR EXCEÇÃO. ESTIPULAÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. VALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. O processo de negociação coletiva consiste em concessões recíprocas, de forma que o resultado do instrumento constitui condição benéfica às partes. Tendo presente esta premissa, as cláusulas decorrentes da negociação coletiva não podem ser analisadas de forma atomizada, pois cada uma se vincula ao equilíbrio da negociação coletiva. A vantagem compensatória é inerente à negociação coletiva, sendo desnecessária sua identificação pormenorizada. II. A esse respeito, ressalte-se que, por ocasião dos julgamentos dos RE 590.415 (Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/5/2015, Tema 152) e RE 895.759 (Rel. Min. Teori Zavaski, DJE 13/09/16), o Supremo Tribunal Federal adotou explicitamente tese no sentido de que a teoria do conglobamento deve ser adotada para dirimir conflito entre normas coletivas de trabalho, daí resultando que cada instrumento deve ser visto de forma global. Apesar de tratar sobre fatos diferentes da presente hipótese, a ratio das referidas teses de repercussão geral deve ser aplicada ao presente caso, pois trata essencialmente da discussão ora travada. III. Por sua vez, no âmbito deste Tribunal Superior do Trabalho, a jurisprudência também se orienta no sentido de que a teoria do conglobamento deve ser adotada para dirimir conflito entre normas coletivas de trabalho, daí resultando que cada instrumento deve ser visto de forma global. IV. No presente caso, a Corte Regional decidiu pela invalidade da norma coletiva em que se autorizava a dispensa do controle formal de horário, sob o fundamento de violação do art. 74, § 2º, da CLT, dado que o dispositivo possuiria natureza de direito indisponível, infenso à negociação coletiva. V. O entendimento adotado pela Corte de origem contaria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e viola o disposto no art. 7º, XXVI, da CF. Logo, o provimento ao recurso de revista é medida que se impõe. VI. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: RR - 1001704-59.2016.5.02.0076 Data de Julgamento: 27/03/2019, Relator Ministro: Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/03/2019.

 

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA 1. SISTEMA DE CONTROLE ALTERNATIVO DE JORNADA. NORMA COLETIVA QUE DETERMINA A AUTOGESTÃO DA JORNADA PELO EMPREGADO. VALIDADE. PROVIMENTO. A teor do preceito insculpido no artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, é dever desta Justiça Especializada incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição coletiva, desde que formalizadas nos limites da lei. A negociação coletiva, nessa perspectiva, é um instrumento valioso que nosso ordenamento jurídico coloca à disposição dos sujeitos trabalhistas para regulamentar as respectivas relações de trabalho, atendendo às particularidades e especificidades de cada caso. É inequívoco que, no âmbito da negociação coletiva, os entes coletivos atuam em igualdade de condições, o que torna legítimas as condições de trabalho por eles ajustadas, na medida em que afasta a hipossuficiência ínsita ao trabalhador nos acordos individuais de trabalho. Assim, as normas autônomas oriundas de negociação coletiva, desde que resguardados os direitos indisponíveis, devem prevalecer sobre o padrão heterônomo justrabalhista, já que a transação realizada em autocomposição privada resulta de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, no qual as perdas e ganhos recíprocos têm presunção de comutatividade. Na hipótese, a Corte Regional reputou inválida a norma coletiva em que autorizada a dispensa de controle formal de horário, sob o fundamento de que tal previsão não se sobrepõe ao disposto no artigo 74, § 2º, da CLT, e, por isso, não exime a reclamada do cumprimento do disposto no aludido artigo. Conforme acima aduzido, a Constituição Federal reconhece a validade e a eficácia dos instrumentos de negociação coletiva, desde que respeitados os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Ocorre que a forma de marcação da jornada de trabalho não se insere no rol de direitos indisponíveis, de modo que não há qualquer óbice na negociação para afastar a incidência do dispositivo que regula a matéria, com o fim de atender aos interesses das partes contratantes. Impende destacar, inclusive, que o artigo 611-A, X, da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, autoriza a prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada de trabalho em relação às disposições da lei. É bem verdade que o aludido preceito, por ser de direito material, não pode ser invocado para disciplinar as relações jurídicas já consolidadas. Não se pode olvidar, entretanto, que referido dispositivo não trouxe qualquer inovação no mundo jurídico, apenas declarou o fato de que essa matéria não se insere no rol das garantias inegociáveis. Ante o exposto, mostra-se flagrante a afronta ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (ARR-80700-33.2007.5.02.0261, Data de Julgamento: 24/10/2018, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/10/2018, destaques acrescidos).

 

Diante do exposto acima e considerando o disposto no artigo 611-A, X, da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, em que há a previsão legal expressa da prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada de trabalho em relação às disposições da lei, há uma tendência, conforme mencionado acima, da jurisprudência dos tribunais trabalhistas validarem o chamado “ponto por exceção”, desde que haja prévia negociação coletiva.

 

Érica Nakamura

Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária