Artigo - Considerações sobre o controle de jornada dos empregados que exercem atividade externa
Publicado em 02/03/2022 13:57 | Atualizado em 23/10/2023 13:32De início, informamos que o art. 444, da CLT, estabelece que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre empregador e empregado, desde que não contrariem as disposições de proteção ao trabalho, os contratos coletivos aplicáveis à categoria profissional e as decisões das autoridades competentes.
Desse modo, em regra, cabe a empregado e empregador negociarem as cláusulas do contrato de trabalho, da forma como melhor entenderem, desde que observada a legislação trabalhista como um todo, bem como o documento coletivo de trabalho da categoria respectiva.
Ainda, lembramos que, o art. 62, da CLT, elenca as situações em que os empregados estão excluídos da proteção do capítulo da duração do trabalho, estando dispensados da marcação do ponto.
Segundo tal artigo, em seu inciso I, não serão abrangidos pelo Capítulo da Duração do Trabalho, entre outros, os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na CTPS e no registro de empregados da empresa.
No entanto, é importante salientar que a aplicação do art. 62, da CLT, somente deve ocorrer quando o empregador realmente não tem condições de controlar a jornada de trabalho de seu empregado, o que hoje em dia é difícil acontecer, com a modernidade e a tecnologia atual (celulares, GPS, etc.), ou seja, não é uma faculdade da empresa querer ou não controlar a jornada deste empregado e, sim, a impossibilidade desse controle.
Corroboram nesse sentido, os seguinte julgados da lavra do C.TST:
“RECURSO DE REVISTA - HORAS EXTRAORDINÁRIAS - TRABALHO EXTERNO - POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA. 1 . Para o enquadramento do empregado como trabalhador externo inserido nas disposições do art. 62, I, da CLT, é conditio sine qua non que o empregado exerça atividades fora do estabelecimento comercial da empresa e que não exista nenhum controle de horário, direto ou indireto. Anote-se que não é a ausência de controle de jornada que caracteriza a exceção do art. 62, I, da CLT, mas a impossibilidade desse controle, hipótese que não ocorreu no caso vertente. 2 . No caso, o Tribunal Regional admitiu a existência de trabalho externo e a impossibilidade de controle de jornada por tablet, mas também registrou que o dispositivo era utilizado para fins de acompanhamento de montagens mediante sistema GPS ligado à internet, com indicação plena do local e horário em que eram realizadas as montagens dos móveis nos endereços ordenados. 3 . A utilização dos aludidos recursos tecnológicos, ao contrário do entendimento adotado pela Corte a quo , afasta a exceção prevista no art. 62, I, da CLT, pois são meios telemáticos que possibilitam o controle e fiscalização da jornada de trabalho externo. Logo, afigura-se devido o pagamento das horas extraordinárias. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 14209720165120041, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 29/08/2018, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/08/2018)”
“RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DE JORNADA. ÔNUS DA PROVA. Na hipótese vertente, o reclamante postulou o pagamento de horas extras e a reclamada sustentou como óbice à pretensão o exercício de atividade externa sem controle da jornada, ou seja, fato impeditivo ao direito vindicado. Ora, não basta a mera alegação de que o reclamante está submetido à exceção do art. 62, I, da CLT, sendo necessária a efetiva produção de prova do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário e da impossibilidade de controle da jornada, a fim de viabilizar o enquadramento jurídico da questão na exceção legal prevista no aludido dispositivo, encargo que não pode ser transferido ao empregado, consoante regra estabelecida nos arts. 818 da CLT e 373, II, do CPC. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST - RR: 3044220145050002, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 13/03/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/03/2019).
Desta forma, infere-se que, se a empresa possui algum modo de controlar a jornada dos empregados que exercem atividades externas, ainda que indireto, o art. 62, I, da CLT não deve ser aplicado, à medida que a CLT deixa claro que o ponto central para a aplicação deste dispositivo é a impossibilidade do controle, e não o desinteresse do empregador.
Nessa toada, conforme o disposto no art. 74, da CLT, o horário de trabalho será anotado em registro de empregados, sendo que, para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores, será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.
Já o § 3º, do mesmo art. 74, deixa certo que, se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder. Em tal situação, apenas lembramos que, em sendo eletrônica a marcação, o empregador poderá optar pelo REP-P, que consiste em um programa/software, o qual deve possuir registro no INPI, ou o REP-A, para que os empregados utilizem o controle alternativo, caso em que deve haver negociação com o sindicado, nos moldes da Portaria nº 671/2021.
Diante do exposto, e conforme o trazido em sua consulta, nos termos do art. 444, da CLT, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre empregador e empregado, devendo ser observada a legislação trabalhista, bem como o documento coletivo de trabalho da categoria aplicável. Desse modo, em havendo o trabalho integralmente externo, informamos que prevalece o entendimento no âmbito jurisprudencial de que isso, por si só, não afasta o cumprimento das normas relativas à duração do trabalho, uma vez que a incidência da exceção prevista no art. 62, inciso I, da CLT, exige a comprovação de absoluta impossibilidade de controle direto ou indireto da jornada de trabalho do empregado.
Sendo assim, em havendo a possibilidade de anotação da jornada de trabalho, os empregados deverão marcar o ponto normalmente, podendo utilizar registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, e, nessa última hipótese, o empregador poderá optar pelo REP-P ou pelo REP-A, nos moldes da Portaria nº 671/2021.
Por fim, o documento coletivo de trabalho da categoria deverá ser consultado, pois poderá trazer alguma previsão específica sobre o trabalho externo, a qual deverá ser observada, se houver.
Alany Martins
Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária