Artigo: Considerações sobre a jornada de trabalho móvel

Publicado em 08/11/2021 11:48 | Atualizado em 23/10/2023 13:29
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Inicialmente, cumpre informar que, de acordo com o art. 444, da CLT, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre empregador e empregado, desde que não contrariem as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos aplicáveis à categoria profissional e às decisões das autoridades competentes.

 

Nesse sentido, em qualquer contratação, deverão ser acordadas com os empregados as condições que serão aplicadas os respectivos contratos de trabalho, como funções e atribuições a serem desempenhadas, cumprimento da jornada de trabalho, salário, entre outras hipóteses e condições, devendo estas serem incluídas, de forma clara, nos respectivos contratos, no momento das admissões, para não gerar qualquer discussão futura.

 

Além disso, cumpre frisar que o art. 7º, inciso XIII, da CF/1988, dispõe que a duração normal do trabalho não poderá ser superior a 8 horas diárias e 44 semanais. A CLT, em seu art. 58, estabelece também que a duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não poderá exceder 8 horas diárias, desde que não seja expressamente fixado outro limite mais benéfico.

 

Desse modo, em regra, os empregados devem ter uma jornada de trabalho fixa.

 

Nesse contexto, o entendimento é de que a jornada de trabalho móvel e variável é ilegal, já que os empregados ficam à disposição do empregador, podendo ser chamados para o trabalho nos períodos em que houver mais movimento na empresa, por exemplo, mas apenas recebem a sua remuneração proporcional ao período trabalhado, sujeitando os trabalhadores ao arbítrio do empregador, que determinará o número de horas trabalhadas, a seu critério e na medida de suas necessidades.

 

Isto porque, dentre outros prejuízos que causa aos trabalhadores, adotar esse tipo de procedimento acabaria por transferir os riscos da atividade econômica aos empregados, além de criar uma insegurança a estes, já que não é possível prever, de antemão, qual será a sua jornada de trabalho, ou quanto será sua remuneração mensal,

 

Corroboram neste sentido, os seguintes julgados:

 

“JORNADA DE TRABALHO MÓVEL. A jornada de trabalho móvel é aquela fixada pelo empregador de acordo com as suas necessidades, exigindo a presença do empregado nos momentos de muito movimento e pouco o solicitando em períodos de baixa produtividade, sendo possível assim o não pagamento sequer o salário mínimo, se observado o número efetivo de horas trabalhadas. O que se verifica, na verdade, é a contratação de trabalho sem limite, com oferta de pagamento objetivamente limitado. Essa forma de atuar significa a transferência dos riscos da atividade econômica para o trabalhador, em manifesta violação ao artigo 2º, caput, da CLT. Sob o pseudoargumento de que o mundo contemporâneo exige a modernização das condições de trabalho, esse regime de trabalho representa patente violação aos direitos dos trabalhadores, prevalecendo o interesse do capital sobre o ser humano trabalhador que tem direito ao trabalho digno, premissa que se atrela com a proteção e a efetividade dos direitos fundamentais. O cumprimento dessa jornada flagrantemente prejudicial ao trabalhador importa também violação à Constituição, a qual edifica os valores sociais do trabalho a fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, IV).” (TRT-3 - RO: 01024201310403006 0001024-82.2013.5.03.0104, Relator: Ana Maria Amorim Reboucas, Quinta Turma, Data de Publicação: 19/01/2015)

 

“JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL- INVALIDADE - DIFERENÇA SALARIAL Considera-se inválida cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, vez que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender, transferindo o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos períodos de menor movimento e convocados para trabalhar nos períodos de maior movimento, sem qualquer acréscimo para empresa. Como a autora foi contratada para cumprir jornada máxima de 44 horas semanais, a reclamante deve receber seu salário com base em jornada mensal de 220 horas. Devido, portanto, o pagamento da diferença entre as horas trabalhadas e pagas e aquelas em que esteve à disposição da reclamada, com os reflexos legais, conforme restou reconhecido pelo comando sentencial.” (TRT-20 00008705320145200008, Relator: JORGE ANTONIO ANDRADE CARDOSO, Data de Publicação: 01/03/2018)

 

Ressalte-se que, há decisões que consideram inválida esta modalidade de jornada de trabalho móvel mesmo que haja negociação com o sindicato da categoria, conforme o seguinte julgado:

 

“RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. JORNADA DE TRABALHO MÓVEL E VARIÁVEL . PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. 1. Conquanto a Constituição da República, por meio do art. 7º, XXVI, prestigie a pactuação coletiva, impõe-se que os instrumentos autônomos observem as normas de ordem pública que garantem direitos mínimos dos trabalhadores. 2. Na hipótese, observa-se que a jornada de trabalho "móvel e variável", prevista nos instrumentos coletivos , importa, efetivamente, em transferência ao empregado dos riscos econômicos da atividade. Isso porque tal prática submete o trabalhador ao puro alvitre da empresa no tocante à jornada a ser efetivamente cumprida, conforme a variação de movimento dos estabelecimentos comerciais da reclamada, exigindo-se que o empregado fique à disposição empresarial por 44 horas semanais, mas podendo, por decisão exclusiva da empregadora, laborar - e obter remuneração - por qualquer período entre o máximo e o mínimo de 8 (oito) horas por semana. 3. Os preceitos protetivos do Direito do Trabalho não autorizam que o empregado se submeta, para mera salvaguarda do empregador contra as naturais oscilações de demanda produtiva, à incerteza da jornada de trabalho e da remuneração a ser percebida, em evidente prejuízo à sua vida particular e sua saúde financeira. 4. A prática em questão constitui evidente fraude à legislação trabalhista, atraindo a aplicação do art. 9º da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST - RR: 12931620125040012, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 14/12/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016)

 

Portanto, o entendimento é de que a jornada de trabalho móvel, isto é, aquela na qual o empregador determina qual a jornada que o empregado irá laborar, é ilegal, tendo em vista que causa diversos prejuízos aos trabalhadores, não podendo esta ser adotada pelo empregador.

Alany Martins

 

Consultora Trainee da Área Trabalhista/Previdenciária