Artigo: Considerações gerais sobre o acúmulo de funções
Publicado em 07/12/2020 13:29 | Atualizado em 23/10/2023 13:13Nos termos do art. 444, da CLT, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre empregador e empregado, desde que não contrariem as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos aplicáveis à categoria profissional e às decisões das autoridades competentes.
Neste sentido, em qualquer contratação, deverão ser acordadas com os empregados as condições que serão aplicadas aos respectivos contratos de trabalho, como funções e atribuições a serem desempenhadas, cumprimento da jornada de trabalho, salário, entre outras hipóteses e condições, devendo estas regras serem incluídas, de forma clara, no respectivo contrato, no momento da admissão, para não gerar discussão futura sobre qualquer assunto.
Em relação ao acúmulo de funções, vale ressaltar que inexiste na legislação trabalhista previsão sobre o procedimento a ser adotado na hipótese do empregado exercer ou passar a exercer concomitantemente mais de uma função na mesma empresa, bem como, não existe previsão do pagamento de qualquer adicional neste sentido, tampouco um percentual específico que deve ser observado.
Prevalece o entendimento de que, conforme art. 456, parágrafo único, da CLT, diante da falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal, não existindo a obrigatoriedade legal de se pagar qualquer adicional em folha de pagamento.
Neste sentido, a jurisprudência trabalhista predominante entende ser possível a ocorrência do acúmulo de funções, desde que haja previsão em cláusula de contrato de trabalho, inclusive relativamente ao salário, que deverá ser compatível com o exercício de ambas as funções. Ainda, os limites da jornada de trabalho de 8h diárias, 44h semanais e 220h mensais, devem ser observados no exercício das funções, em conformidade com o previsto no art. 7º, inciso XIII, da CF/1988.
Com isso, se o empregado foi contratado e, no momento da admissão, foi pactuado com o mesmo o desempenho de diversas funções, não lhe será devido nada a título de adicional por acúmulo de funções.
Corrobora neste sentido, o seguinte julgado:
“ACÚMULO DE FUNÇÕES. NÃO CONFIGURADO. O próprio reclamante admite que desde o início do contrato de trabalho era eletricista, atuava como mecânico e operava máquinas, amoldando-se a situação dos autos à hipótese prevista no parágrafo único, do art. 456 da CLT: À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal.” (TRT-4 – ROT: 0020425482019540292, Data de Julgamento: 26/09/2020, 3ª Turma).
Por outro lado, se esta condição não foi pactuada quando da sua admissão e passando o empregado, em determinado momento, a exercer mais de uma função, esta condição deverá, a princípio, ser incluída em seu contrato de trabalho, mediante termo de alteração deste, passando a prever as novas condições estabelecidas a partir de então, como atribuições e remuneração compatível, etc. Além disso, sendo o trabalhador contratado para prestar serviço em uma determinada função e o empregador alterar tal condição, passando a exigir a execução de outras atividades, deverá observar o disposto no art. 468, da CLT, o qual estabelece que é necessária a concordância do trabalhador, e, além disso, não poderá trazer prejuízos, diretos ou indiretos, ao mesmo.
Esta previsão de acúmulo de funções deve constar, ainda, no registro de empregados da empresa, especificando as funções que serão exercidas pelo mesmo, bem como a remuneração ou adicional pago, quando existir, devendo estes constarem, ainda, no holerite do trabalhador, de forma discriminada, inclusive.
Isto porque, caso a empresa não observe estes procedimentos e o empregado realize mais de uma função concomitantemente, mas sem uma remuneração compatível com o exercício de ambas, o empregado poderá pleitear o reconhecimento do acúmulo de funções em eventual ação trabalhista, hipótese em que a empresa poderá ser condenada ao pagamento do respectivo acréscimo salarial.
Corroboram neste sentido, os seguintes julgados:
“RECURSO ORDINÁRIO. ACÚMULO DE FUNÇÕES CONFIGURADO. ATIVIDADES INCOMPATÍVEIS COM AS TAREFAS CONTRATADAS. ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DEVIDO. O acúmulo de funções se caracteriza pelo exercício de atividade diversa daquela para a qual o trabalhador foi contratado, com sobrecarga de trabalho, sem a paga correspondente, encerrando a ideia de alteração prejudicial das condições de trabalho (art. 468 da CLT). Restando comprovado que a reclamante foi contratada para analista de benefício, mas que, habitualmente, exercia as atividades inerentes de gerente de RH, deve-se deferir a pretensão de acréscimo salarial. Recurso ordinário patronal improvido, no particular.” (Processo: RemNecRO – 0001059-62.2017.5.06.0122, Redator: Eduardo Pugliesi, Data de julgamento: 19/06/2019, Primeira Turma, Data da assinatura: 19/06/2019) - (TRT-6 – RO: 00010596220175060122, Data de Julgamento: 19/06/2019, Primeira Turma).
“RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ACÚMULO DE FUNÇÕES. CONFIGURADO. O jus variandi do empregador para fixação das atribuições encontra limites para a fixação das funções laborativas, com proibição não somente de rebaixamento, mas também de incremento substancial de atribuições sem a contraprestação correspondente. O artigo 456, parágrafo único da CLT, não exime o empregador de recompor a remuneração salarial ajustando-a quando houver alteração substancial das funções originalmente fixadas. A quebra da reciprocidade remuneratória e do sinalagma contratual atrai a incidência do artigo 460 da CLT, permitindo a recomposição salarial pelo judiciário, quando não houver salário ajustado para compensar a imposição de tarefas novas e distintas das funções originalmente estabelecidas. A quebra da bilateralidade contratual original, com obrigações correspectivas permite a fixação de um plus. Recurso ordinário da reclamante conhecido e parcialmente provido.” (TRT-1 – RO: 01008859220165010265 RJ, Relator: SAYONARA GRILLO COUTINHO LEONARDO DA SILVA, Data de Julgamento: 16/05/2018, Gabinete da Desembargadora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Publicação 02/06/2018).
Além disso, cumpre ressaltar que o adicional por acúmulo de função tem natureza salarial e, enquanto pago, integra o salário do empregado para todos os fins legais, como para cálculo de férias e 13º salário, bem como para incidência de contribuição previdenciária e dos depósitos do FGTS.
No mais, também orientamos que o documento coletivo de trabalho da respectiva categoria profissional seja consultado, para verificar se há alguma regra específica a ser seguida em tal situação, bem como se há previsão de pagamento de um adicional no caso de acúmulo de funções.
Portanto, conforme arts. 444 e 456, parágrafo único, da CLT, se no momento da admissão do empregado foi pactuado com o mesmo o desempenho de diversas funções, em tese, não há que se falar em acúmulo de funções, não lhe sendo devido qualquer adicional pelo desempenho de outras funções.
Por outro lado, se esta condição não foi pactuada com o mesmo quando da sua admissão, passando o empregado, em determinado momento, a exercer mais de uma função, deve ser observado o art. 468, da CLT, ou seja, é necessária a concordância do trabalhador, e, além disso, esta não poderá lhe trazer prejuízos, diretos ou indiretos. Nesta situação, deve ser incluída a alteração em seu contrato de trabalho, passando este a prever as novas condições estabelecidas a partir de então, quanto às atribuições, bem como da remuneração compatível com o desempenho da nova função (reajuste de salário ou pagamento de adicional, se for o caso), devendo, em seu recibo de pagamento, constar de forma discriminada tal pagamento diferenciado, sendo necessária, ainda, a observância dos limites legais de jornada de trabalho (8hrs diárias e 44hrs semanais) no exercício de ambas funções.
Por fim, havendo qualquer discussão sobre o assunto, caberá ao Poder Judiciário a decisão final sobre o tema, quando e se acionado a respeito.
Alany Martins
Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária