Artigo: Confusão Patrimonial

Publicado em 17/07/2023 09:30 | Atualizado em 23/10/2023 13:48
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Quando analisamos a relação das empresas com seus sócios, há alguns pontos que geram grandes conflitos, em especial, aqueles concernentes ao patrimônio da empresa e dos sócios. A confusão patrimonial é justamente a mistura entre esses patrimônios, cuja separação não se dá de maneira clara, afinal, se o sócio é quem tem o poder de agir em nome da empresa, por qual motivo não poderia utilizar parte dos valores que a empresa possui para o pagamento de suas despesas pessoais, ou vice-versa? Ou, ainda, por que não pode comprar um veículo pessoal em nome da empresa?

 

A resposta para essas questões, atualmente, envolve mais os princípios do direito civil e da contabilidade do que a própria legislação, ou seja, a estrutura legal e contábil considera que a separação patrimonial deve existir, ao invés de proibir certos atos diretamente em seu texto expresso. Ainda assim, no campo do direito civil, há o estabelecimento legal da separação patrimonial, no artigo 49-A do Código Civil:

 

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

 

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

 

No campo da contabilidade, o regimento normativo que determina essa separação é um postulado contábil, isto é, um preceito fundamental, chamado de princípio da entidade, que determina que o patrimônio da empresa não se confunde com o de seus sócios, ou seja, não é possível efetuar a contabilidade corretamente se houver confusão patrimonial.

 

Com isso, podemos verificar a presença de confusão patrimonial em diversas operações que são corriqueiras para as empresas. Além do fornecimento de dinheiro da empresa ao sócio, a hipótese de utilização do patrimônio pessoal do sócio para a aquisição de bens para a empresa também configura tal irregularidade. Outra situação comum é a contratação de plano de saúde exclusivo ao sócio e seus dependentes, em nome e com pagamento efetuado pela pessoa jurídica, entre outras.

 

Não sendo possível evitar a irregularidade antes de sua ocorrência, é necessário que haja a correção de tal operação, para que os valores sejam reconhecidos de forma adequada, para que os tributos devidos sejam recolhidos e para que a contabilidade apresente a transparência correta, assim ajudando no fomento, na prestação de contas e até no fechamento de negócios.

 

No caso da transferência patrimonial da empresa para o sócio, há a possibilidade de que seja considerada distribuição de lucros, caso a empresa possua lucros apurados no período, e que a quota parte do sócio cubra o montante recebido. Se não for possível à utilização como lucro, pode ser identificado como pró-labore pago ao sócio, porém estará sujeito ao IRRF. Se não houver a possibilidade de enquadramento nas situações demonstradas, deverá ser reconhecido como mútuo (empréstimo), estando sujeita as regras desse contrato, como a incidência de juros, e a tributação do IRRF e do IOF.

 

Além disso, é importante ressaltar que qualquer operação efetuada entre a empresa e seus sócios requer uma atenção especial, visto que devem ser realizadas a valor de mercado, para que não seja constada a prática da Distribuição Disfarça de Lucros, nos termos do artigo 528 do Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda).

 

Dentre as consequências da confusão patrimonial, temos, além da irregularidade da contabilidade efetuada pela empresa, a possibilidade da Desconsideração da Personalidade jurídica, visto que essa mistura dos patrimônios é efetuada por muitas vezes, para a fraude contra credores. Assim, a legislação civil prevê que responsabilidade patrimonial pode alcançar os sócios, ainda que a pessoa jurídica seja devedora de uma demanda encaminhada ao poder judiciário.

 

Portanto, é notável que a presença de confusão patrimonial não pode ser ignorada, visto que enquanto não for corrigida, haverá tributação que não foi recolhida, acarretando os encargos e acréscimos legais, assim como a contabilidade se manterá inexata, oferecendo riscos a futuros negócios e possíveis processo judiciais em relação aos danos causados a terceiros.

 

Douglas Henrique Pereira de Oliveira

 

Consultor - Área de Tributos Federais, Legislação Societária e Contabilidade.