Artigo - Cancelamento do plano de saúde pelo empregador e a possibilidade da caracterização do dano moral

Publicado em 30/12/2019 09:38
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De início, impede consignar que a legislação trabalhista não obriga o empregador a conceder plano de saúde ou qualquer outro tipo de assistência médica/hospitalar/odontológica aos seus empregados. Esta obrigação, quando existe, é proveniente de documento coletivo de trabalho da respectiva categoria profissional, de regulamento interno da empresa ou da mera liberalidade do empregador. Se for o caso, cabe ao documento instituidor da obrigação disciplinar a forma, a abrangência e a duração da concessão do benefício, bem como critérios para a inclusão de dependentes, entre outros.

 

Além disso, não há previsão legal trazendo a obrigatoriedade ou não de a empresa manter o plano de assistência médica no caso de afastamento do empregado, seja ele aposentado ou não. Entretanto, o entendimento da jurisprudência majoritária tem se firmando no sentido de que, ao conceder o plano de saúde ou qualquer outro tipo de assistência médica, o empregador o faz a todos os seus empregados, caracterizando tratamento discriminatório a não manutenção do plano de saúde aos empregados afastados, o que é constitucionalmente vedado e, principalmente, é o período que o trabalhador mais precisará de cuidados médicos.

 

Para pacificar o entendimento sobre a questão dos empregados aposentados por invalidez, e dos afastados em virtude de acidente de trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou uma Súmula assegurando a manutenção do plano de saúde para esses empregados, conforme segue:

 

“Súmula nº 440 do TST - AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

 

Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez.”

 

Ainda, encontram-se na jurisprudência inúmeras decisões no sentido de que a empresa tem uma função social a cumprir, não cabendo exclusivamente à Previdência Social a proteção social dos trabalhadores. Com este argumento, as decisões têm assegurado a manutenção do plano de saúde empresarial ao trabalhador afastado. Nesse sentido os seguintes julgados:

                

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AUXÍLIO-DOENÇA. PLANO DE SAÚDE. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÕES LEGAIS E CONSTITUCIONAIS NÃO DEMONSTRADAS. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. DESPROVIMENTO DO APELO. É indevido o cancelamento de plano de saúde durante o período em que o contrato de trabalho estiver suspenso por doença do empregado e este estiver recebendo auxílio doença. Decisão do Regional, então, em conformidade com a legislação e a Constituição Federal. O Regional é soberano na análise fático-probatória do caso, o que impossibilita o reexame dos fatos e provas por este C.TST, tornando a insurgência quanto ao inadimplemento contratual do empregado como motivo para o cancelamento do plano de saúde inviável de ser constatada nesta sede. Assim, deve ser mantido o julgado que deferiu, a partir do exame das provas, o dano moral. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR: 14184520125010245Data de Julgamento: 21/10/2015,  Data de Publicação: DEJT 29/10/2015).

 

AUXÍLIO-DOENÇA. PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO. O trabalhador em gozo de auxílio-doença que tem o plano de saúde fornecido pela empresa cancelado sofre lesão à sua dignidade. Ao se ver privado do acesso à assistência médica privada no momento em mais precisava dela, o trabalhador fica acometido de aflições, agruras, que caracterizam, sem sombra de dúvidas, o dano extrapatrimonial. (TRT-1 - RO: 00002366920125010036 RJ, Relator: Marcos Cavalcante, Data de Julgamento: 10/09/2014,  Sexta Turma, Data de Publicação: 25/09/2014).

 

Ademais, também há o entendimento de que se caracteriza conduta ilícita da empresa alterar as condições do plano de saúde do trabalhador e, após, excluí-lo do plano, restando configurado dano à esfera da personalidade do trabalhador, sendo devida a reparação correspondente (arts. 5º, V e X, da CRFB; 186, 187, 927 e 944 do CC).

 

Sendo assim, configura dano moral a supressão do plano de saúde pela empregadora no período em que o empregado está afastado das atividades laborais por motivo de saúde. Não se afigura razoável privar o trabalhador das vantagens do plano de saúde justamente na época de sua maior necessidade. Ainda, contrariaria a própria essência desse benefício disponibilizá-lo ao empregado apenas enquanto íntegra a sua saúde e privá-lo quando necessário.

 

Corrobora neste sentido, os seguintes julgados, todos da lavra do C.TST:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. CONTRATO SUSPENSO POR AUXÍLIO-DOENÇA. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO PLANO DE SAÚDE. RESTABELECIMENTO DO PLANO DE SAÚDE ANTERIOR. Os argumentos de suposta existência de lei que permite à reclamada a alteração das condições do plano de saúde não se sustentam, tendo em vista o contorno fático dado à matéria (incidência do óbice da Súmula nº 126 desta Corte), na medida em que, foi registrado pelo Tribunal Regional que a modificação não foi efetuada por mútuo consentimento, estando ausente a anuência da beneficiária reclamante. Logo, ileso o art. 468 da CLT. 2. DANOS MORAIS E MATERIAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. Segundo consignou o Tribunal Regional, instância soberana na análise do conjunto probatório, nos termos da Súmula nº 126 do TST, houve comprovação da conduta ilícita da ré ao alterar as condições do plano de saúde da reclamante no momento em que ela estava necessitando de tratamento, gerando dano moral e material, já que foi obrigada a arcar com as despesas médicas que foram excluídas do atendimento do convênio médico. Assim, ilesos os arts. 5º, X, da CF e 148, 186 e 927 do CC. Quanto ao valor da indenização por danos morais, o Regional, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, manteve o montante fixado pelo Juízo primário, considerando, entre outros, o grau de culpa do empregador, a extensão do dano, o patrimônio material da empresa e a condição financeira da reclamante. Nesse contexto, o valor da indenização não viola o artigo 944 do CC. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AIRR - 100777-58.2016.5.01.0008 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 26/09/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2018)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PLANO DE SAÚDE. EXCLUSÃO. DANO MORAL . 1. Ocasiona dano moral a supressão do plano de saúde privado mantido pelo empregador, em especial , quando ocorrido no período em que o trabalhador mais dele necessitava para tratamento de saúde. 2. Agravo de instrumento do Reclamado de que se conhece e a que se nega provimento.(TST - AIRR: 5877220135010241, Data de Julgamento: 03/04/2018, Data de Publicação: DEJT 06/04/2018)

 

Desse modo, há corrente de entendimento no âmbito dos Tribunais Trabalhistas de que supressão do plano de saúde justamente no momento em que o empregado se encontra afastado, percebendo benefício previdenciário, momento em que mais necessita do benefício, acarreta sentimento de angústia, pois inviabiliza os meios para tratar da sua saúde, a denotar ato ilícito do empregador, o que enseja na condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais ao trabalhador.

 

Érica Nakamura

Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária