Artigo: Assédio moral e os seus reflexos na esfera trabalhista

Publicado em 26/02/2020 08:57
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O assédio moral configura-se pela prática de atos que revelem condutas abusivas do empregador ou de seus prepostos, tais como perseguição, injusta pressão ou depreciação da pessoa do empregado, acarretando-lhe exposição a situações ridículas e constrangedoras, e que é definido pelos doutrinadores originalmente como a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exerce uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e frequente durante tempo prolongado sobre outra pessoa.

 

O assédio moral fica configurado quando há atos reiterados e abusivos, um processo discriminatório de situações humilhantes e constrangedoras. Exige-se, para tanto, um comportamento, por ação ou omissão, premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima, capaz de atrair a incidência do disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, segundo o qual "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

 

Neste sentido, recentemente, a Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção 190, que define violência e assédio como comportamentos, práticas ou ameaças que visem e resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos para os trabalhadores atingidos por essas graves práticas, registrando que os Estados-membros têm a responsabilidade de promover um ambiente geral de tolerância zero contra atitudes patronais prejudiciais aos trabalhadores. A Convenção 190, da OIT, aplica-se tanto no local de trabalho como em ambientes relacionados ou derivados deste, incluindo os espaços onde os empregados recebem sua remuneração, onde fazem intervalo e comem, assim como em banheiros e vestiários, compreendendo também viagens, capacitações, eventos sociais relacionados ao trabalho, locais de hospedagem disponibilizados pelo empregador e o trajeto de ida e volta ao trabalho. A convenção reconhece também que a violência e o assédio podem ocorrer através de comunicações vinculadas ao trabalho, incluindo as de caráter virtual.

 

Diante do cenário crescente envolvendo a prática do assédio moral no âmbito trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, na defesa dos interesses dos jurisdicionados, desenvolvem um programa voltado à conscientização sobre o assédio moral e as formas de preveni-lo. Trata-se da ação que visa implementar o disposto no Ato Conjunto TST.CSJT.GP 8, de 21 de março de 2019, que institui a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral no Tribunal Superior do Trabalho e no Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

 

Segundo a mencionada Cartilha, conceitua-se como sendo assédio moral condutas repetitivas do agente público que, excedendo os limites das suas funções, por ação, omissão, gestos ou palavras, tenham por objetivo ou efeito atingir a autoestima, a autodeterminação, a evolução da carreira ou a estabilidade emocional de outro agente público ou de empregado de empresa prestadora de serviço público, com danos ao ambiente de trabalho objetivamente aferíveis.

 

Outrossim, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, como exemplos frequentes de assédio moral no ambiente de trabalho, podemos citar a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, com objetivo de ridicularizar e inferiorizar, afetando o seu desempenho. É comum que, em situações de assédio moral, existam tanto as ações diretas por parte do empregador, como acusações, insultos, gritos, e indiretas, ou ainda a propagação de boatos e exclusão social. Os processos trabalhistas que resultam em condenações por assédio moral quase sempre envolvem práticas como a exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, imposição de isolamento ao empregado, restrição da atuação profissional ou, ainda, exposições ao ridículo.

 

No mais, a doutrina e a jurisprudência elencam quatro principais tipos de assédio moral: vertical descendente (praticado por superior hierárquico), vertical ascendente (praticado por subordinado ou grupo de subordinados), horizontal (entre colegas) e institucional (praticado pela própria organização).

 

Ademais, insta consignar que o assédio moral insere-se no capítulo da responsabilidade por dano causado a outrem, e a consequente obrigação do agressor de indenizar a vítima, com fundamento nos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal, e artigos 186, 187 e 927 e seguintes, do Código Civil.

 

Em tal norte, uma vez caracterizado o assédio moral, a vítima faz jus ao direito à indenização por dano moral que está alicerçado nos artigos 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, e 186 e 927, do Código Civil, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, notadamente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade física e psíquica, do direito à vida, do bem-estar individual e social, da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano.

 

Destarte, infere-se que assédio moral no trabalho desestabiliza o empregado, tanto na vida profissional quanto pessoal. A humilhação repetitiva e de longa duração também compromete a dignidade e identidade do trabalhador, afetando suas relações afetivas e sociais. A prática constante pode causar graves danos à saúde física e psicológica, evoluir para uma incapacidade laborativa e, em alguns casos, para a morte do trabalhador.

 

Não existe uma lei específica para repressão e punição daqueles que praticam o assédio moral. No entanto, na Justiça do Trabalho a conduta de assédio moral, se caracterizada, gera indenização por danos morais e físicos. Na esfera trabalhista, o assédio moral praticado pelo empregador ou por qualquer de seus prepostos autoriza o empregado a deixar o emprego e a pleitear a rescisão indireta do contrato, à luz do disposto no art. 483, da CLT.

 

Por fim, é importante lembrar que, uma vez caracterizado o assédio moral no âmbito trabalhista, há a responsabilização do empregador, nos termos do art. 932 e 933, do Código Civil, já que este tem a obrigação de fiscalizar os atos praticados pelos seus prepostos, pois estes agem em seu nome e, portanto, responsabilizam-na por prejuízos que venham a causar. É certo que o empregador possui o poder de fiscalizar, dirigir e até de punir o empregado, nos moldes do art. 2°, da CLT. Contudo, não pode cometer abuso no exercício deste direito, incumbindo-lhe guardar, acima de tudo, o respeito à dignidade da pessoa humana, patrimônio protegido pela Constituição Federal (artigo 1º, incisos III e IV).

 

Érica Nakamura

Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária