Artigo: A sobreposição do negociado sobre o legislado e a possibilidade de redução dos direitos trabalhistas
Publicado em 27/06/2022 08:48De início, o art. 7°, inciso XXVI, da CRFB/1988, assegura a todos os trabalhadores o direito fundamental ao reconhecimento dos acordos e das convenções coletivas.
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 reconhece a força normativa dos documentos coletivos de trabalho.
Contudo, sempre existiu uma celeuma no âmbito da jurisprudência acerca dos limites impostos aos documentos coletivos de trabalho, ou seja, se eles poderiam suprimir e/ou restringir direitos trabalhistas garantidos aos trabalhadores por Lei.
Nessa toada, a discussão acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal – STF, o qual, por meio do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.046), em 04.06.2022, fixou a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Em vista disso, a Suprema Corte referendou o entendimento de que os documentos coletivos de trabalho podem suprimir, limitar ou afastar direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Segundo informações acerca desse caso no portal do STF, prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, o qual ponderou, no entanto, que essa supressão ou redução deve, em qualquer caso, respeitar os direitos indisponíveis, assegurados constitucionalmente. Em regra, as cláusulas não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em linhas gerais, pelas normas constitucionais, pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro e pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.
Contudo, é preciso ressaltar que a tese em comento foi fixada com base em um caso concreto ocorrido antes da publicação da Lei nº 13.467/2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, a qual inseriu na CLT o art. 611-A e o art. 611-B.
Os referidos art. 611-A e art. 611-B, respectivamente, estabelecem as hipóteses em que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei e os objetos ilícitos de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho que tratem, exclusivamente, de supressão ou redução de direitos trabalhistas.
Entretanto, o entendimento que prevalece atualmente é que os artigos supramencionados estabelecem tão somente um rol exemplificativo, ou seja, podem existir inúmeros outros direitos que podem sofrer limitação ou não pelo negociado em acordo ou convenção coletiva, devendo cada caso ser analisado à luz do ordenamento jurídico.
Assim, em havendo futuras discussões no âmbito jurisprudencial acerca da possibilidade de limitação ou supressão de direitos trabalhistas, inclusive sob a vigência da Lei nº 13.467/2017, é provável que a Justiça do Trabalho, bem como o próprio STF, se for o caso, decidam com base no precedente do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633, isto é, permitindo a redução ou supressão de direitos trabalhistas, desde que observados os parâmetros mínimos garantidos por Lei.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em tese de repercussão geral, que são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. A referida tese foi tomada com base em um caso anterior à Reforma Trabalhista, a qual incluiu na CLT os dispositivos que exemplificam as hipóteses em que o acordo e a convenção podem e não podem sobrepor-se ao legislado, o que se mostra em consonância com o entendimento supramencionado adotado pelo STF.
Posto isso, em tese, os direitos trabalhistas podem ser suprimidos ou reduzidos por meio de acordo ou convenção coletiva, desde que observados aqueles direitos indisponíveis garantidos aos trabalhadores no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse caso, o art. 611-A e o art. 611-B, da CLT, podem ser utilizados como um norte aos empregadores e entidades sindicais para verificar os limites às negociações coletivas, bem como, em cada caso, devem ser analisadas as consequências presentes em face dos direitos mínimos garantidos aos trabalhadores.
João Pedro de Sousa Porto
Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária