Artigo – A dispensa discriminatória do empregado portador de HIV ou de outra doença grave

Publicado em 04/04/2022 08:49 | Atualizado em 23/10/2023 13:33
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De início, convém ressaltar que inexiste previsão legal de uma estabilidade no emprego aos trabalhadores portadores de HIV ou acometidos de doenças graves.

 

Desse modo, em princípio, não há qualquer impedimento de a empresa efetuar a dispensa sem justa causa desses trabalhadores, mesmo que eles estejam em tratamento médico. O que deve ser aferido no momento da rescisão contratual é se efetivamente o empregado está apto para o trabalho, eis que a inaptidão é causa impeditiva da rescisão contratual sem justa causa.

 

Contudo, a jurisprudência trabalhista possui entendimento sumulado de que a dispensa sem justa causa de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito é considerada discriminatória, sendo devida a reintegração do trabalhador ao emprego. Nesse sentido é a Súmula nº 443, do Tribunal Superior do Trabalho – TST:

 

“Súmula nº 443 do TST

 

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

 

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”.

 

Em vista disso, salvo no caso do empregado que é portador do vírus HIV, os tribunais trabalhistas não possuem um consenso acerca de quais doenças podem ser consideradas graves, bem como que suscitem estigma ou preconceito. Assim, essa análise acaba sendo feita caso a caso.

 

Nessa toada, encontramos diversos julgados que consideram a neoplasia maligna (câncer), esquizofrenia, epilepsia, entre diversas outras, como doenças graves e que suscitam estigma ou preconceito. Entretanto, o que deve ser analisado não é a doença em si, mas as consequências dela no caso concreto, tendo em vista que há decisões que afastam a dispensa discriminatória por considerar em casos específicos que, apesar de portador de determinada doença, naquele momento ela não era capaz de causar estigma ou preconceito ou ficou evidenciado que a dispensa não teve como causa determinante a doença.

 

Sendo assim, o empregador pode comprovar em eventual reclamatória trabalhista que a dispensa sem justa causa ocorreu por motivos totalmente alheios à doença, levando em consideração que a dispensa discriminatória tem presunção relativa. Ocorre que, ele deve apresentar motivação idônea a justificar a dispensa sem justa causa, pois, podemos citar como exemplo que, recentemente, a Subseção de Dissídios Individuais I (SDI-1) do TST acolhendo a tese da parte reclamante, declarou que apenas uma avaliação de desempenho insatisfatória, por si só, não é suficiente para demonstrar a real motivação da dispensa sem justa causa de um empregado acometido por neoplasia (câncer). Desse modo, faz-se necessário que o empregador tenha provas incisivas que a rescisão contratual se deu por motivos alheios à doença e não somente por desempenho insatisfatório, sob pena de ser condenado a reintegrar o trabalhador.

 

Portanto, apesar de inexistir proibição legal expressa da dispensa sem justa causa de empregados portadores de HIV ou acometidos de doenças graves que possam ser consideradas estigmatizantes ou que causam preconceito, desde que estejam aptos para o trabalho, existe o entendimento pacificado no âmbito da Justiça do Trabalho de que a dispensa sem justa causa de empregado nessas condições, quando a doença for o motivo determinante da rescisão, pode ser considerada discriminatória, caso em que o empregador pode ser condenado a reintegrar o trabalhador. Posto isso, como a presunção da dispensa discriminatória é relativa, cabe ao empregador em eventual reclamatória trabalhista provar que a dispensa se deu por motivos alheios à doença, utilizando-se de todos os meios de prova admitidos em direito.

 

João Pedro de Sousa Porto

 

Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária