Artigo: A caraterização da “Pejotização” e o reconhecimento da fraude nas relações trabalhistas

Publicado em 22/04/2019 09:33
Tempo de leitura: 00:00

De início, cumpre observar que o art. 3°, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, preleciona que é considerado empregado a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a um empregador, sob dependência deste e mediante salário.

 

Assim sendo, os elementos caracterizadores do vínculo empregatício são:

 

1 - habitualidade - o trabalho deve ser exercido continuamente, frequentemente. Não precisa ser todo dia, mas deve ser habitual;

 

2 - dependência ou subordinação - para que haja a relação de emprego o trabalhador deve depender (econômica, técnica, jurídica e hierarquicamente) do empregador;

 

3 - onerosidade - o empregado presta serviço e em contrapartida recebe a remuneração do empregador, inexistindo a possibilidade da prestação de serviço gratuita, sob pena de configurar enriquecimento ilícito do empregador, salvo no caso de trabalho voluntário; e

 

4 - pessoalidade - o trabalho deve ser prestado pessoalmente pelo empregado, não podendo este se fazer substituir por outra pessoa.

 

Desta forma, ainda que haja a contratação de uma empresa (pessoa jurídica), se restar demonstrada a existência dos requisitos acima mencionados, é possível o reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa tomadora de serviço. Trata-se do fenômeno da “pejotização”, em que a criação de pessoas jurídicas é fomentada pelo tomador de serviços a fim de evitar os encargos trabalhistas.

 

Com efeito, a "pejotização" é caracterizada pela contratação de trabalhador como pessoa jurídica, bem como a admissão fraudulenta de trabalhador com a veste de contrato autônomo, que permitem a diminuição dos encargos sociais dos empregadores, além da redução dos preços e melhor competitividade com os concorrentes, o que denota a relação com o fenômeno do “dumping social” e, consequente, desrespeito aos padrões mínimos trabalhistas defendidos na órbita internacional pela Organização Internacional do Trabalho - OIT e pela Organização Mundial do Comércio - OMC. Tais práticas acarretam consequências funestas para o trabalhador, que não vê assegurados direitos como FGTS, décimo terceiro salário, férias, sem olvidar da não limitação da carga horária de trabalho, ausência do descanso remunerado, da contração de seguro de acidentes, impossibilidade de gozo das garantias de emprego, etc.

 

Ademais, insta consignar que no Direito do Trabalho incide o princípio da primazia da realidade sobre a forma, de modo que, se os atos foram praticados com o único escopo de fraudar, desvirtuar e impedir a aplicação dos preceitos da lei trabalhista, serão considerados nulos para todos os efeitos (inteligência do art. 9º, da CLT).

 

O procurador do Trabalho José de Lima Ramos destaca que a "pejotização" é uma das principais formas de fraude trabalhista. "É realmente a precariedade das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas", avalia, acrescentando que o trabalhador que fornece uma nota repassada por terceiros pode estar incorrendo no crime de falsidade ideológica.

 

Os supostos benefícios da chamada "pejotização" atraem ao criar uma falsa realidade de mercado mais vantajosa para os empregados. Quando os trabalhadores aceitam constituir empresa para serem contratados como prestadores de serviço, na maioria dos casos, o que pesa, além da oportunidade, é o valor da remuneração e o gasto menor com encargos sociais. Mas ao optar por não ter carteira assinada, o suposto prestador de serviços abre mão de uma série de direitos trabalhistas previstos em lei, como FGTS, Previdência Social, 13º salário, férias, horas extras, seguro-desemprego, entre outros.

 

Na prática, quem é PJ deve ter empregados próprios, não deve sequer cumprir horários, nem ser subordinado a ninguém. Mas a independência financeira e a autonomia na gestão, principais características da pessoa jurídica, desaparecem quando o PJ assume o papel de empresa e de empregado ao mesmo tempo. E passa a ser tratado como um trabalhador comum.

 

Destarte, ainda que haja a pactuação de um contrato com uma pessoa jurídica, se ficar demonstrada a contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoa natural, mediante subordinação, de forma não eventual e onerosa, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de mascarar a efetiva relação de emprego, com o intuito de burlar os direitos trabalhistas, nos termos do art. 9°, da CLT, é possível o reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços.

 

Corroboram neste sentido os seguintes julgados:

 

PEJOTIZAÇÃO- FRAUDE À RELAÇÃO DE EMPREGO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO CARACTERIZADO. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. CONTRATAÇÃO ATRAVÉS DE PESSOA JURÍDICA. -PEJOTIZAÇÃO-. FRAUDE À RELAÇÃO DE EMPREGO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO CARACTERIZADO.

 

Na contratação de pessoa física, através de uma pessoa jurídica ("pejotização"), para prestar serviços enquadrados na atividade-fim da tomadora, com pessoalidade e subordinação, com o objetivo de frustrar a efetivação de direitos trabalhistas, há clara tentativa de fraude, formando-se o vínculo direto com a ré. TRT-1 - Recurso Ordinário RO 511004820035010062 RJ (TRT-1)

 

BANCÁRIO. FRAUDE. CONTRATAÇAO ATRAVÉS DE PESSOAJURÍDICA. A figuração do trabalhador como "sócio" de pessoa jurídica, para poder prestar serviços pessoais, contínuos, onerosos e subordinados em Banco, constitui fraude aos direitos trabalhistas (art. 9º, CLT). Correta assim, a decisão de origem, que reconheceu o vínculo de emprego e a condição bancária do reclamante, com direito à jornada reduzida peculiar à categoria (art. 224, CLT). Todavia, provado o recebimento pelo reclamante de salário-hora, devido apenas o adicional de horas extras sobre o excedimento ao limite legal. TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO RO 54200702802004 SP 00054-2007-028-02-00-4 (TRT-2)

 

PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO-. CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. O ordenamento jurídico pátrio veda que empresas, ao invés de contratarem empregados para a realização de sua atividade-fim, terceirizem esta atividade, que passa a ser prestada aos seus clientes através de outras pessoas jurídicas, frequentemente constituídas por antigos empregados. Tal prática constitui-se no fenômeno conhecido como -pejotização-, repudiado por esta Justiça Especializada, de forma que, restando evidenciada tal prática, deve ser reconhecido o vínculo de emprego. TRT-1 - Recurso Ordinário RO 00004219620125010072 RJ (TRT-1)

 

No mais, não se pode olvidar que a Lei n° 13.467/2017, chamada de “Reforma Trabalhista”, em nada alterou a possibilidade do reconhecimento do vínculo de emprego, quando constatado o fenômeno da “pejotização”, nos termos do prelecionado acima.

 

Sendo assim, uma vez constatada a presença de todos os requisitos caracterizadores da relação de emprego (habitualidade, pessoalidade, subordinação e onerosidade) e a constituição de pessoa jurídica com o escopo de mascarar verdadeira relação de emprego, em nítida fraude à legislação trabalhista (art. 9°, da CLT), possível o reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador de serviço, seja este pessoa jurídica ou pessoa física (art. 2°, da CLT).

 

Diante do exposto acima, é importante ressaltar que, ainda que haja a contratação de uma empresa (pessoa jurídica), se restar demonstrada a existência dos requisitos do vínculo de emprego, é possível o reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa tomadora de serviço. Tal situação não sofreu qualquer alteração com a entrada em vigor da Lei n° 13.467/2017.

 

Érica Nakamura

Consultora da Área Trabalhista e Previdenciária