Serviços financeiros: o perigo da regulação do IBS/CBS
Área: Fiscal Publicado em 25/11/2025Serviços financeiros: o perigo da regulação do IBS/CBS
A reforma tributária, ao unificar tributos sobre o consumo no IBS e na CBS, estabeleceu regras específicas para a tributação dos serviços financeiros. A Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 determinou que determinados serviços estariam sujeitos a um regime específico, cuja regulamentação foi detalhada pela Lei Complementar (LC) nº 214/25. Essa lei trouxe uma lista de contribuintes e operações que se enquadram nesse regime, definindo de forma mais clara quais atividades financeiras passam a ser tributadas de maneira específica, inclusive com alíquota reduzida em relação à padrão.
Segundo a LC 214/25, incluem-se entre os fornecedores dos serviços financeiros sujeitos ao regime específico instituições financeiras tais como bancos, distribuidoras, cooperativas de crédito, corretoras de câmbio e seguradoras. Também podem ser incluídos como fornecedores sujeitos ao regime específico aqueles que, mesmo não estando sujeitos à supervisão dos órgãos governamentais, prestem serviços financeiros de modo habitual, em volume que caracterize atividade econômica, ou de forma profissional.
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Essa equiparação nos leva à questão central: qual o serviço financeiro relativo a operações de crédito que, realizado de modo habitual, faz do fornecedor contribuinte de IBS/CBS para fins do regime específico?
De forma simplificada, uma operação de crédito consiste na entrega de um valor monetário a terceiro com prazo de devolução, remunerado pela cobrança de juros. Por óbvio não estamos falando do serviço, mas sim da operação de crédito.
À primeira vista, poderia parecer que qualquer operação de crédito, quando feita com certa frequência, caracterizaria a prestação de um serviço financeiro. No entanto, é necessário entender qual serviço subjacente estaria sendo tributado. Conceder empréstimos em si poderia ser considerado serviço? Se pensarmos nos atos envolvidos, trata-se basicamente de preencher contratos e transferir o dinheiro para a conta do tomador. Nesse caso, a base de cálculo deveria representar a expressão econômica e material desses atos que corresponderia apenas ao valor cobrado para a elaboração dos contratos e para a transferência eletrônica dos recursos.
No entanto, o texto legal traz tanto para as operações de crédito quanto para outras operações financeiras (exemplo: antecipação de recebíveis, securitização) a base de cálculo onde a receita de juros deve ser deduzida de um custo de captação (exemplo: curva de juros futuros da taxa DI) e de eventuais perdas no recebimento dos créditos. Em outras palavras, estamos falando do spread líquido de perdas.
O uso do spread como base de cálculo visa remunerar o serviço de intermediação financeira. Mirrless (Tax Design) define serviço de intermediação como sendo aquele no qual o banco mantém os recursos que nós não necessitamos no momento e busca alguém que precisa de recursos, mas que não os têm no momento. Para tanto, as instituições financeiras se utilizam de agências para captar e emprestar recursos. Além disso, ao reunir recursos de várias fontes e emprestá-los para diversas pessoas e empresas, as instituições financeiras conseguem diluir os riscos. Outros serviços de intermediação podem exigir estruturas mais reduzidas sendo remunerados por comissão (exemplo: distribuição).
Assim, retornamos ao ponto inicial relativo à definição de contribuinte do IBS/CBS para fins do regime de serviços financeiros. Se uma empresa utiliza capital próprio para realizar empréstimos, ainda que sejam em volume e/ou frequência que venha a ser exigido pela regulamentação do IBS/CBS, não podemos caracterizá-la como sujeito ao IBS/CBS sobre serviço financeiro, simplesmente porque o serviço não foi prestado. Não há intermediação financeira, nesse caso. Se por um acaso a empresa contratou um terceiro para buscar clientes interessados em tomar recursos, tal serviço deve ser tributado pelo IBS/CBS tendo como base de cálculo a comissão cobrada pelo prestador de serviço. Ainda que esse serviço seja realizado pela própria empresa concedente do empréstimo, a base de cálculo não poderia ser o spread líquido, mas sim o correspondente aos custos mais margem para captar clientes. Tal conclusão é simplesmente baseado no fato de que não existe intermediação financeira na operação descrita.
Fica bem claro que a regulamentação deveria considerar o capital próprio das empresas para determinar se existe serviço financeiro de “operações de crédito”, pois o serviço subjacente é o de intermediação financeira. Satya Poddar em “VAT - A study of Methods of Taxing Financial and Insurance Services” afirma que “quando instituições financeiras utilizam capital social para conceder empréstimos (...), a margem financeira, como resultado, passa a incluir não apenas o valor da intermediação, mas também o componente de juros puro que representa o valor temporal dos recursos próprios (equity) que os investidores disponibilizaram à instituição financeira. Portanto, é necessário um outro ajuste, desta vez para remover o valor temporal do capital próprio do cálculo da margem.”.
Assim, a tentativa de tributar uma empresa que realiza com frequência “operações de crédito” com capital próprio, utilizando-se o spread líquido como base de cálculo, tem como consequência a tributação da renda e não do serviço. Tributar juros não é fato gerador do IBS/CBS. Mais ainda, estaremos tributando dinheiro no tempo, o que vai contra uma regra básica do IVA de não influenciar na decisão intertemporal de consumo.
Fonte: Valor Econômico