Reforma tributária: regulamentação pendente gera dúvidas sobre a implementação em 2026

Área: Fiscal Publicado em 26/08/2025

Reforma tributária: regulamentação pendente gera dúvidas sobre a implementação em 2026

Unificar tributos, modernizar o sistema, reduzir a burocracia e simplificar o dia a dia das empresas. Em 2023, essas foram as promessas que acompanharam a aprovação da reforma tributária e o novo sistema de cobrança de tributos – que inclui a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Mas, faltando apenas alguns meses para o início da fase de transição, ainda há incertezas sobre os detalhes operacionais da fase de transição, cujo início está previsto para Janeiro de 2026.

O texto faz parte de uma série de reportagens que aponta as lacunas e propõe soluções com relação à reforma tributária.

A partir de 2026, as empresas brasileiras passam a conviver com dois sistemas tributários: o atual, que envolve ICMS, ISS, PIS e Cofins; e o novo, baseado no IBS e na CBS. Esse período de transição, que se estende até 2032, começa com um ano de testes em que o recolhimento dos novos tributos será dispensado, desde que as empresas cumpram com determinadas obrigações acessórias.

No entanto, existe um problema crítico: estas obrigações ainda não foram definidas pelo governo. Esta situação cria um cenário de insegurança jurídica e operacional para as empresas, que precisam se preparar para uma mudança significativa sem conhecer as regras que deverão seguir.

Questões como a forma de apuração do IBS e da CBS, critérios para a compensação com os créditos de PIS e Cofins, e como se dará a convivência de obrigações acessórias dos sistemas novo e antigo ainda estão em aberto. Segundo especialistas ouvidos pelo Estúdio JOTA, as perguntas em aberto impedem um planejamento efetivo para o próximo ano.

Em outras palavras, o empresariado ainda não consegue se preparar para o novo modelo tributário. E ainda não há sinal de que as regras serão divulgadas num futuro próximo, a menos de seis meses para o início do período de transição.

Para Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio, a falta de definição clara cria um cenário de insegurança jurídica para que a fase de testes se inicie em 2026, já que as empresas não sabem quais serão as obrigações acessórias, os cadastros exigidos ou qual será a alíquota cobrada para fazer simulações. “Estamos longe de ter um posicionamento sobre o que precisa ser feito, de que forma e qual vai ser o custo disso para as empresas.”

Prazo apertado

Dois textos legislativos são responsáveis por construir o novo modelo de tributação: a LC 214/2025 regulamenta o IBS, o CBS e o Imposto Seletivo, enquanto a Lei de Gestão e Administração do IBS (PLP 108/2024) cria o Comitê Gestor do IBS, órgão que exercerá o papel de arrecadar, compensar débitos e créditos e a distribuir receitas. Essa entidade irá definir as práticas para as obrigações acessórias, a forma de emissão de documentos fiscais, e as compensações e penalidades durante a transição.

O relator do PLP 108/2024 na CCJ, senador Eduardo Braga (MDB-AM), apresentou no início de abril o plano de trabalho para a regulamentação final da reforma. Foram realizadas quatro audiências públicas até junho para discutir o texto, que agora recebe emendas e aguarda votação.

Mas a aprovação da legislação que cria o Comitê Gestor do IBS não é o único ponto aguardado para que as empresas se preparem para o novo modelo. Há dúvidas em relação às alíquotas do CBS e da IBS, preocupações sobre a implementação do split payment e quanto ao impacto dos novos tributos na base de cálculo do ICMS, ISS e PIS/Cofins.

“É essencial que a regulamentação seja publicada com antecedência mínima razoável, permitindo que as empresas tenham tempo para atualizar seus sistemas, capacitar sua equipe e reestruturar suas rotinas contábeis e fiscais”, explica Fernando Bittencourt, advogado e sócio da LFB Advogados.

Obrigações acessórias e compensação

Partindo para exemplos concretos, o artigo 348 da LC 214/2025 prevê que o recolhimento da CBS e do IBS será facultativo em 2026, desde que as empresas cumpram as “obrigações acessórias”. O problema é que, por ora, essas exigências ainda não estão postas.

"Não há um normativo definindo isso", diz Luiz Roberto Peroba, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados. "Por isso, é importante que o governo divulgue algo simplificado para as empresas conseguirem ajustar seus sistemas até o final do ano, ou então prorrogue o início da transição para 2027."

Assim, em relação a esse ponto, a regulamentação deveria estabelecer, primeiro, quais são as obrigações acessórias que poderão dispensar o recolhimento do IBS e da CBS.

O mesmo artigo 348 também estipula um mecanismo de compensação cruzada entre PIS/Cofins e IBS/CBS durante a fase de transição, sendo mais um elemento de incerteza para as empresas, especialmente em relação ao IBS. Falta apontar a metodologia que será aplicada – se os valores recolhidos como cobrança de IBS/CBS em 2026 se tornarão uma espécie de crédito de PIS/COFINS para manter a neutralidade fiscal, por exemplo.

Contrapartidas entre encargos federais são práticas relativamente comuns e longamente estabelecidas no Brasil e, sendo assim, a dinâmica entre PIS/Cofins e CBS não deve ser um foco de transtorno na fase de transição tributária, como explica Xavier, da FGV Direito Rio. Já a compensação do IBS – cuja receita será partida entre estados, Distrito Federal e municípios – é mais complexa, embora não represente um terreno completamente desconhecido. "O mecanismo não é eficiente, não é simples", diz Xavier. "E a reforma veio para dar simplicidade."

Outros artigos da LC 214/25 (de 378 a 382) autorizam que créditos de PIS/COFINS sejam compensados com débitos de CBS – se não forem usados até o fim da vigência das contribuições atuais, por exemplo. Mas a regulamentação ainda precisa detalhar como as possibilidades de compensação serão realizadas na prática.

Diferenças temporais

Uma das mudanças centrais da reforma é que os novos tributos serão recolhidos no ato de pagamento da compra ou contratação e os documentos fiscais serão emitidos no mesmo momento. Hoje, a emissão ocorre na saída da mercadoria (da loja ou no envio de um pedido online) ou contraprestação do serviço. Na transição, qual dos dois marcadores valerá?

No mínimo, o critério temporal deverá ser o mesmo para ISS, ICMS, IBS e CBS; até porque os atuais documentos fiscais serão adaptados para acomodar os novos tributos. Por isso, para evitar insegurança jurídica, na fase de transição, recomenda-se manter essa emissão no momento de envio – ainda que os tributos tenham sido recolhidos no momento do pagamento. Para esses casos, a regulamentação poderia detalhar como lidar com esse descasamento entre o recolhimento dos tributos e a emissão da nota fiscal.

Aliás, a vinculação do recolhimento com o ato de pagamento também impõe brechas de interpretação. A regulamentação ainda não trouxe uma definição precisa sobre o que seria, nesse contexto, considerado pagamento – inclusive observando diferentes modalidades de liquidação financeira de transações. Dito de outra forma, hoje em dia as transações não costumam se limitar a uma transferência bancária enquanto bloqueios ou reserva de valores via cartão de crédito não liquidam efetivamente um débito. Assim, é necessária uma "palavra final" sobre o pagamento que ensejará o recolhimento dos impostos de consumo.

Documentos fiscais

Outro ponto de desconforto das empresas é a indefinição quanto à possível duplicidade de procedimentos ou a sobreposição de obrigações no período de transição, já que tanto os tributos antigos quanto os novos deverão ser recolhidos entre 2026 e 2032.

Nas últimas semanas, algumas respostas para enfrentar a questão começaram a chegar. O Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat) divulgou, em abril e maio, atualizações de notas técnicas que tratam da adequação de layouts dos documentos fiscais para a reforma tributária. Foram criados novos campos e modificações de determinados controles, além de redutores de alíquotas, por exemplo. Em julho, começam os primeiros testes com os novos formatos.

Mas o próprio regramento em relação à emissão de documentos fiscais pode apresentar desafios durante a fase de transição – e, novamente, as diferentes naturezas dos tributos são apontadas como possíveis entraves, com potencial para gerar conflitos de interpretação e de prazos.

O setor de serviços enfrenta desafios particulares na implementação da reforma tributária. A potencial exigência de múltiplos formatos de notas fiscais não só aumenta exponencialmente a complexidade técnica, como também eleva os riscos operacionais e custos de adequação. Para minimizar estes impactos, especialistas defendem a preservação dos regimes simplificados de documentação fiscal já estabelecidos com estados e municípios, especialmente para setores com alto volume de operações. Esta manutenção é crucial para viabilizar a transição sem comprometer a eficiência operacional das empresas ou gerar custos excessivos de conformidade tributária.

O Comitê Gestor deverá trazer as normas para direcionar a atuação das empresas nesse âmbito. Mas, dada a complexidade do assunto, as discussões tendem a ser extensas.

Gradualismo

Considerando a extensão das mudanças propostas pela reforma tributária e o início da fase de transição já no ano que vem, há preocupação que as novas regras cheguem ao supetão. Por isso, uma demanda é que durante o período de transição, sejam afastadas as penalidades por descumprimento de obrigações acessórias, quando não houver reincidência e, potencialmente, para parte dos contribuintes que enfrentam cenários mais desafiadores.

"O problema não parece ser especificamente o cronograma de implementação da reforma tributária, mas sim, a ausência de prazo para adaptação e de garantias para evitar a penalização dos contribuintes no cumprimento das novas regras", diz Bittencourt, da LFB Advogados.

Além disso, diante do período curto de adaptação até 2026, alguns especialistas recomendam mudanças em alguns prazos do período de transição. Isso porque algumas das obrigações impostas pela LC 214/25 envolvem grande complexidade tanto para os contribuintes quanto para o Poder Público.

Além da reconfiguração dos sistemas ERP, as empresas enfrentam um desafio ainda maior: a necessidade de coletar novos dados para atribuir corretamente as alíquotas e cumprir com as novas exigências fiscais. Este processo de coleta de dados é extremamente complexo e demorado, e não pode ser iniciado até que as regulamentações forneçam orientações práticas sobre quais dados específicos precisam ser coletados e quais serão as fontes desses dados (por exemplo, APIs governamentais para verificação de status do contribuinte).

Além disso, as empresas precisam de tempo suficiente para educar fornecedores sobre as mudanças, treinar equipes internas, orientar clientes sobre os novos procedimentos e adequar processos internos. Este tempo de preparação é essencial para garantir uma transição efetiva e minimizar riscos operacionais.

Por fim, outro ponto crítico é o split payment, mecanismo que vincula automaticamente o recolhimento do tributo ao pagamento eletrônico, dividindo o valor entre vendedor e fisco, representa um dos maiores desafios tecnológicos da reforma.

Devido à sua complexidade e necessidade de nova infraestrutura tecnológica, especialistas recomendam sua postergação para 2029, coincidindo com o período em que os novos tributos serão recolhidos sem compensação com o sistema atual. Esta extensão de prazo, somada a um período inicial sem penalidades, é fundamental para garantir uma implementação segura deste mecanismo antievasão fiscal.

"O split payment e obrigações acessórias são os dois grandes temas da transição. Deveriam ser exigidos apenas depois de testados publicamente e com prazo razoável para adaptação", diz Peroba, do Pinheiro Neto Advogados.

Fonte: Jota