Reforma tributária inclusiva e impactos sobre contratos privados

Área: Fiscal Publicado em 27/05/2025

Reforma tributária inclusiva e impactos sobre contratos privados

A reforma tributária já constitucionalizada através da EC nº 132/2023 e que já avançou no plano infraconstitucional com a instituição dos novos tributos CBS, IBS e IS, teve como motivação preponderante a simplificação do sistema tributário, ou pelo menos, reduzir a complexidade do modelo atual, que dificulta a observância da conformidade com relação às obrigações tributárias, considerado um dos motivos do entrave ao desenvolvimento econômico.

Ao lado desta redução de complexidade almejada, que não sabemos exatamente se será alcançada no seus propósitos estabelecidos no projeto original, não podemos deixar de perceber o viés inclusivo do novo sistema tributário, ao descrever as materialidades de incidência dos novos tributos de modo a alcançar atividades econômicas antes não tributadas, ou por vácuo legislativo, permitindo interpretações díspares sobre a tributação, ou por opção política de entes tributantes, proporcionando uma melhor distribuição da carga tributária, com maior rigor na observância do princípio da capacidade contributiva [1].

O efeito inclusivo ocorre, num primeiro momento, com relação aos serviços prestados não mencionados expressamente na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, sobre os quais ainda restam dúvidas, para setores da doutrina, sobre a sua tributação. Ocorre que se formaram duas correntes distintas sobre a condição taxativa ou exemplificativa da lista de serviços anexa à referida lei. Para os defensores da taxatividade, não seriam tributados os serviços não listados expressamente na norma.

Essa interpretação sempre tem causado injustiças tributárias, em que determinados contribuintes eram desonerados do pagamento do ISS pelo simples fato de seus serviços não constarem expressamente na lei. Com a reforma tributária, toda esta discussão se dissipará e não fará mais sentido, considerando que a incidência dos novos tributos, CBS e IBS, será sobre operações onerosas com bens e serviços (artigo 4º, LC nº 214/2025), sem distinções.

Para garantir a amplitude da incidência, o artigo 156-A, § 1º, I, da Constituição, com a redação dada pela EC nº 132/2023, a incidência será sobre bens materiais ou imateriais, inclusive direitos e serviços. Fica também para o passado toda a teorização do conceito de serviços, conectado com a obrigação de fazer, numa concepção civilista, para efeitos de aplicação da norma tributária de incidência.

Portanto, a tributação será sobre as utilidades econômicas de maneira geral, sejam elas materializadas por meio de bens, direitos ou serviços sem delimitações por conta de listagens expressas ou em razão de contornos conceituais. De forma resumida, e para uma melhor compreensão, ainda que talvez se distancia do rigor técnico conceitual, poderíamos dizer que a tributação será sobre o faturamento.

Inclusiva também será a reforma tributária com relação à cobrança do imposto sobre serviços prestados em alguns pequenos municípios que nem sempre dispensam a atenção para este imposto sobre serviços de sua competência; mesmo que o instituam, não mantêm uma estrutura mínima de fiscalização, abrindo o caminho para as práticas de sonegação de forma generalizada.

Mas a maior consequência inclusiva irá ocorrer no direito constitucional do contencioso administrativo tributário [2], visto que atualmente aos contribuintes destes municípios menores é negado este direito contraditório, diante da ausência de órgão de julgamento próprio, dentro dos parâmetros do devido processo legal. Sem o órgão de julgamento estruturado, quem julga as impugnações é o secretário de finanças do município, ou os próprios agentes fiscais se revezam na função de julgador para a análise dos trabalhos do seu colega.

Esse fenômeno inclusivo terá impactos nos setores econômicos que passarão a suportar um ônus tributário com a implantação da reforma. Tratando-se de tributos indiretos (CBS e IBS), que por sua característica permitem a transferência do ônus tributário ao consumidor final, pelo menos no plano teórico, é de se esperar um ajustamento de preços nestes setores, resultando num impulso inflacionário.

Evidentemente, ao se abordar a tributação dos serviços por meio dos novos tributos da reforma tributária, há de se reconhecer a distinção entre os serviços que já são tributados pelo ISS e aqueles que não são tributados e passarão a sê-lo com a reforma, estes eleitos como foco de nossa reflexão neste artigo.

Reformulação de contratos

Oportuno apenas abrir um parênteses para lembrar que a atual tributação do ISS ocorre com uma alíquota menor, mas de forma cumulativa. Com a reforma, todos os serviços serão tributados com uma alíquota maior, provavelmente de 26,5%, mas de forma não cumulativa, permitindo o creditamento com relação às operações ou prestações anteriores. Como no setor de serviços esse crédito é mínimo, haverá um incremente na carga tributária, o que motivou a instituição do regime diferenciado para alguns setores específicos, nos termos do artigo 127, da LC nº 214/2025.

A partir desse reordenamento dos custos dos serviços por conta da tributação, tanto os serviços que já são tributados pelo ISS, que sofrerão um aumento da carga tributária, como aqueles que virão a ser tributados pela reforma, haverá a necessidade de uma reformulação dos contratos para a nova realidade, para um realinhamento dos preços, com a transferência, na medida do possível, do encargo tributário ao consumidor final.

Concluindo, mesmo que a tão propagada simplificação do novo regime tributário esteja parcialmente comprometida com a necessidade de implantação dos diversos regimes diferenciados de tributação, entre outras razões, como o próprio funcionamento do Comitê Gestor do IBS, a reforma favorece uma inclusão de setores econômicos a contribuir com o suporte da carga tributária nacional, o que nos parece extremamente positivo na ótica da justiça fiscal e da capacidade contributiva, trazendo como efeito colateral o aumento de preços que poderá impulsionar uma inflação setorial.

Ao lado dessa inclusão tributária, o novo regime garantirá para todo o contribuinte o direito ao contraditório em processo administrativo. Por outro lado, pela ótica econômica, essa nova tributação para setores antes não tributados como para todo o setor de serviços, haverá um aumento da carga tributária, com reflexos no ajustamento de preços que não seria desejável num momento em que convivemos com a ameaça do retorno inflacionário.

[1] Nos termos do art. 145, § 1º, da Constituição Federal,  “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

[2] “Art. 5º […]

[…]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Fonte: Consultor Jurídico