Reforma tributária e sucessão no agronegócio: convite à organização patrimonial e fiscal
Área: Contábil Publicado em 30/06/2025Que a reforma tributária aprovada pelo Congresso por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 vai impactar de forma diferente os diversos segmentos do agronegócio é inquestionável. Não será exclusividade do produtor rural ter que se adaptar a uma nova realidade de tributação, com novos tributos como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), um período de coexistência de dois modelos (de 2026 até 2032), entre outras alterações. Contudo, poucos produtores rurais que operam na pessoa física se atentaram às obrigações ditas “acessórias” que vão impactar diretamente aqueles que faturam acima de R$ 3,6 milhões por ano com a atividade rural.
Hoje, o produtor rural pessoa física apura seus resultados com base no Livro Caixa do Produtor Rural, recolhe o Imposto de Renda (até 27,5%) e o Funrural sobre a receita bruta ou folha de salários. Os efeitos da tributação sobre o consumo atualmente (em relação a PIS/Cofins e ICMS) sobre a pessoa física são bastante limitados.
Assim, o produtor rural está submetido a um regime mais simples em termos gerais, mas com algumas limitações na dedução de despesas na apuração do Imposto de Renda. Todavia, a vedação de tais deduções acaba ganhando relevância à medida que a operação se expande. Neste contexto de expansão de atividade, alguns produtores já estruturaram suas atividades rurais via pessoa jurídica, com maior flexibilidade contábil, permitindo um planejamento fiscal mais robusto, além de ganhos em gestão, governança e sucessão, compensando os novos encargos decorrentes da profissionalização da atividade rural.
Para o produtor que atualmente opera via pessoa jurídica, a atividade rural pode ser estruturada sob os regimes de lucro presumido ou lucro real, esse último sendo obrigatório quando suas receitas são superiores a R$ 78 milhões. Além disso, do ponto de vista contábil e fiscal, há a necessidade de manter controles, apurações e entrega de obrigações em bases mensais, o que acaba gerando a necessidade de uma estrutura organizacional mais robusta aumentando o grau de complexidade operacional e tributária.
Produtor rural ficará mais exposto ao controle da Receita
A partir de 2026 já será necessário lidar com dois sistemas tributários paralelos — o sistema atual e o novo sistema sendo introduzido de forma progressiva até 2032, pelo qual qualquer atividade com faturamento que ultrapasse dos R$ 3,6 milhões — seja ela realizada via pessoa física, jurídica (no regime de lucro presumido ou lucro real), será impactada por:
– Obrigatoriedade de apuração de IBS e CBS: deverá (1) calcular periodicamente (provavelmente mensalmente) o valor do IBS e da CBS devidos com base na sua receita bruta e nas deduções legais (como créditos tributários sobre insumos); (2) escriturar digitalmente suas operações de compra e venda em sistemas integrados com a Receita Federal e os fiscos estaduais/municipais; (3) emitir documentos fiscais eletrônicos e alimentar sistemas fiscais.
– Não cumulatividade plena: com direito a crédito amplo ao longo da cadeia, inclusive para insumos agropecuários, serviços e ativos imobiliários adquiridos, o que pode beneficiar produtores organizados como pessoa jurídica.
– Fim de regimes favorecidos e isenções específicas: a nova sistemática elimina regimes especiais e exigirá uma adaptação para todos os agentes econômicos.
– Alíquota padrão estimada em 28% a 30%, com isenção ou redução de 60% para itens da cesta básica e insumos agropecuários: a depender da classificação do produto, o impacto pode ser severo para produtores pessoa física não estruturados.
Essas mudanças demandarão uma verdadeira adaptação estrutural e tecnológica do produtor rural, com necessidade de integrar sistemas de gestão, controle detalhado de entradas e saídas, contabilidade, controle de estoques e vendas, investimento em tecnologia para que consiga fazer um rastreamento tributário completo da cadeia produtiva e evite perdas por ineficiência tributária ou autuações fiscais.
Com a padronização dos tributos e das obrigações acessórias pelo novo sistema, haverá um aumento exponencial da transparência fiscal, facilitando o cruzamento de dados pela Receita Federal. O produtor rural, até então pouco fiscalizado, estará mais exposto ao controle pela Receita, e sujeito a um novo nível de compliance e exigência documental, o que requer, necessariamente, uma adaptação cultural e operacional com a adoção de sistemas de gestão fiscal e contábil mais sofisticados.
Sendo assim, o grau de formalização e controle que passará a ser exigido do produtor que opera na pessoa física, especialmente para aquele acima do limite de R$ 3,6 milhões, será equiparado ao de uma empresa rural, o que coloca a exploração da atividade rural por meio pessoa jurídica em vantagem, pois já opera em um ambiente regulado e mais adaptado a esse tipo de exigência, com processos e estruturas que permitem maior controle, previsibilidade e governança.
Convite à organização
Além de ser uma alternativa fiscal diante do cenário da reforma tributária, a estruturação via pessoa jurídica apresenta outras vantagens ao produtor como maior organização patrimonial, com separação da atividade rural do patrimônio do sócio, permitindo melhores ferramentas e previsibilidade quanto à sucessão, o que se consolida cada vez mais como instrumento de perpetuação da atividade rural familiar, promovendo continuidade, proteção do patrimônio e governança intergeracional.
A título de comparação, o falecimento do produtor que exerce a atividade rural na pessoa física acarreta a abertura de inventário, um processo lento, oneroso e sujeito à paralisação da atividade rural que pode ser impactado pelo valor de mercado dos imóveis, maquinários e benfeitorias.
No caso da atividade desenvolvida na pessoa jurídica, o patrimônio está segregado da pessoa do sócio, e a sucessão é feita por meio da transferência de quotas sociais ou ações, caso em que se faz possível o uso de cláusulas como usufruto vitalício, inalienabilidade e reversibilidade, os fundadores mantêm o controle, enquanto os herdeiros recebem participação societária de forma planejada e escalonada, com planejamento o que permite diluir o impacto do ITCMD, além de evitar litígios, travamentos operacionais e longos processos administrativos e judiciais.
Destaca-se ainda que o texto constitucional que introduziu a reforma reforçou a importância do planejamento sucessório uma vez que autoriza estados e Distrito Federal a aplicar alíquotas progressivas de ITCMD sobre os bens transmitidos. Vale lembrar que, atualmente, as alíquotas variam entre 2% e 8%, sendo que há estados, como São Paulo que adotam alíquota fixa, mas que discutem projetos de lei para aumento e adoção da progressividade em discussão, o que tende a encarecer a sucessão.
Diante desse cenário, a reorganização da atividade rural por meio de uma pessoa jurídica, como uma holding familiar ou empresa rural, não é apenas uma medida de eficiência fiscal. Ela representa um convite para que o setor, já altamente tecnológico no campo, também se fortaleça institucionalmente com regras de governança, sucessão planejada, divisão clara de responsabilidades e profissionalização da gestão.
O momento é de planejamento estratégico. Entender os impactos da reforma, avaliar o melhor regime tributário, organizar o patrimônio e construir uma estrutura de governança não são apenas obrigações, mas instrumentos essenciais para garantir o futuro da atividade e o legado de quem construiu a base do agronegócio brasileiro com tanto trabalho e visão.
Fonte: Conjur