Notícia - Lei de proteção de dados entra em nova fase este ano
Área: Pessoal Publicado em 14/02/2023 | Atualizado em 23/10/2023
Fonte: Jornal Valor Econômico
Agenda regulatória prevê definição de 20 itens até dezembro
Quase 18 meses depois da implantação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Brasil fez avanços significativos na defesa da privacidade, mas ainda tem um longo percurso a cumprir. “Estamos no caminho certo, mas não chegamos ao patamar da Europa, que discute a proteção de dados desde os anos 70 e 80, ou mesmo de países mais próximos como México, Argentina e Uruguai, que também têm legislações mais antigas”, diz José Eduardo Pieri, advogado especializado em tecnologia e sócio do escritório Palma Guedes Advogados. O desafio, agora, é expandir a cultura de proteção de dados pessoais, concordam especialistas e autoridades.
Aprovada em 2018, a LGPD entrou em vigor dois anos mais tarde cercada de temores de que poderia prejudicar os negócios por causa dos custos de adaptação, das restrições impostas ao tratamento das informações e das penas nos casos de infração. Hoje, com o aprendizado acumulado pelas empresas nos últimos meses, a visão predominante é diferente.
Embora seja o principal interessado, titular das informações nem sempre está consciente dos cuidados que deve tomar
“A ausência de padrões no uso de dados pessoais cria insegurança jurídica, que não é benéfica para os negócios porque gera custo”, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “As empresas estão percebendo que o faroeste existente [antes da LGPD] não era melhor. Nesse ambiente, a proteção de dados gera vantagens competitivas, não custo.”
Um dos efeitos da lei é proporcionar uma certa isonomia no tratamento reservado aos dados - e nos investimentos feitos para protegê-los - entre empresas com perfis e tamanhos semelhantes. Ao estabelecer um conjunto de padrões mínimos de segurança e privacidade, a legislação ajuda a reduzir eventuais disparidades. “Isso faz com que empresas que investem mais em proteção não saiam penalizadas frente a outras que não têm a mesma preocupação”, diz Pieri.
Há outras vantagens competitivas em jogo. Parte dos consumidores está mais atenta à maneira como as marcas tratam seus dados e passou a usar a segurança das informações como critério na hora de escolher produtos e serviços.
Estudo feito pela americana Cisco em 26 países, incluindo o Brasil, mostra que 70% das empresas estão obtendo ganhos “significativos” ou “muito significativos” com seus investimentos em privacidade. Uma das principais vantagens indicadas na pesquisa é ganhar a confiança dos clientes. No Brasil, o retorno médio é de 2,8 vezes o valor investido, mais que a média internacional, de 1,8 vez.
Para o levantamento, intitulado “Data Privacy Benchmark Study 2023”, a Cisco ouviu 3 mil profissionais de segurança. Apesar do cenário econômico hostil, a previsão é que o investimento médio nesse segmento aumentará de US$ 1,2 milhão em 2020 para US$ 2,7 milhões neste ano. No Brasil, 97% dos entrevistados dizem que a privacidade tornou-se um imperativo de negócio e 90% afirmam que o consumidor não compraria de uma empresa que não garante a segurança de suas informações.
A legislação é parte central desse círculo virtuoso. Embora digam que se adequar às regras envolve esforços e custos significativos para suas empresas, 79% dos entrevistados afirmam que as leis de proteção de dados têm impacto positivo; no Brasil, o número é ainda maior, de 81%.
“É muito importante que as empresas compreendam que o investimento em privacidade tem potencial de gerar não somente valor de negócios em vendas, como agregar segurança às operações e, o principal, mais confiança dos consumidores”, afirma Marcia Muniz, diretora jurídica da Cisco América Latina e Canadá e Data Protection Officer (DPO).
Além do consumidor, as políticas de proteção de dados têm atraído a atenção de outro público essencial aos negócios - o investidor. Processos de “due dilligence”, pelos quais uma empresa avalia os benefícios e riscos de uma aquisição, passaram a considerar também o grau de segurança digital na formação do preço a ser pago, diz Pieri. “Ninguém quer comprar uma empresa cuja proteção de dados seja péssima.”
O ano de 2023 promete ser decisivo para o tema no Brasil. Em funcionamento desde novembro de 2020, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem uma agenda regulatória de 20 itens a definir no período 2022/2023. São pontos que regulamentam a LGPD. A definição mais aguardada é a chamada dosimetria, que estipula a punição para cada tipo de violação.
“A dosimetria precisa levar em consideração vários fatores: o risco, o dano, o tamanho da empresa, se é a primeira violação, se houve reincidência... Isso vale tanto para companhias privadas como órgãos públicos”, diz Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, diretor-presidente da ANPD. O órgão aguarda a dosimetria para fazer eventuais punições. Indicado na semana passada, caberá ao relator apresentar parecer ao conselho diretor da ANPD, composto de cinco membros. A previsão é que a definição saia ainda este mês, afirma.
Em 2022, a ANPD recebeu 1.110 denúncias, 703 petições de titulares de dados e 287 comunicados de incidentes de segurança. Foram instaurados 40 processos de fiscalização até agora. Desses, 16 já foram concluídos e outros 16 estão em curso no âmbito da regulação responsiva, em que cabem medidas preventivas e de orientação. Existem 8 processos administrativos instaurados - são esses os casos passíveis de punição.
Na estrutura da ANPD estão 81 funcionários. Para comparar, a autoridade de privacidade no Reino Unido tem uma equipe de 900 pessoas, diz Ortunho. Nos próximos meses, caberá à ANPD regulamentar a transferência internacional de dados, os direitos dos titulares e os novos formulários para comunicados de incidentes de segurança, entre outros temas. O objetivo não é virar uma “fábrica de multas”, afirma o diretor-presidente da ANPD, “mas conscientizar todos os envolvidos”.
É o caso dos titulares dos dados pessoais. Embora seja o principal interessado, o indivíduo nem sempre está consciente dos cuidados que deve tomar. “A pessoa entra na farmácia e dá o CPF sem perguntar para o que será usado”, comenta Souza, do ITS Rio. Esse comportamento reflete um desequilíbrio na relação custo/benefício da economia de dados.
Por influência da internet, em particular das redes sociais e sites de comércio eletrônico, o consumidor se habituou a ceder seus dados para obter serviços digitais, sem perceber que está pagando por eles ao compartilhar informações valiosas. “A pessoa pensa na vantagem, mas não no custo”, diz Souza. Reequilibrar essa balança é considerado um passo essencial. “O futuro será cada vez mais digital e vai produzir mais e mais dados”, afirma o especialista. “É um caminho sem volta.”
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Agenda regulatória prevê definição de 20 itens até dezembro
Quase 18 meses depois da implantação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Brasil fez avanços significativos na defesa da privacidade, mas ainda tem um longo percurso a cumprir. “Estamos no caminho certo, mas não chegamos ao patamar da Europa, que discute a proteção de dados desde os anos 70 e 80, ou mesmo de países mais próximos como México, Argentina e Uruguai, que também têm legislações mais antigas”, diz José Eduardo Pieri, advogado especializado em tecnologia e sócio do escritório Palma Guedes Advogados. O desafio, agora, é expandir a cultura de proteção de dados pessoais, concordam especialistas e autoridades.
Aprovada em 2018, a LGPD entrou em vigor dois anos mais tarde cercada de temores de que poderia prejudicar os negócios por causa dos custos de adaptação, das restrições impostas ao tratamento das informações e das penas nos casos de infração. Hoje, com o aprendizado acumulado pelas empresas nos últimos meses, a visão predominante é diferente.
Embora seja o principal interessado, titular das informações nem sempre está consciente dos cuidados que deve tomar
“A ausência de padrões no uso de dados pessoais cria insegurança jurídica, que não é benéfica para os negócios porque gera custo”, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “As empresas estão percebendo que o faroeste existente [antes da LGPD] não era melhor. Nesse ambiente, a proteção de dados gera vantagens competitivas, não custo.”
Um dos efeitos da lei é proporcionar uma certa isonomia no tratamento reservado aos dados - e nos investimentos feitos para protegê-los - entre empresas com perfis e tamanhos semelhantes. Ao estabelecer um conjunto de padrões mínimos de segurança e privacidade, a legislação ajuda a reduzir eventuais disparidades. “Isso faz com que empresas que investem mais em proteção não saiam penalizadas frente a outras que não têm a mesma preocupação”, diz Pieri.
Há outras vantagens competitivas em jogo. Parte dos consumidores está mais atenta à maneira como as marcas tratam seus dados e passou a usar a segurança das informações como critério na hora de escolher produtos e serviços.
Estudo feito pela americana Cisco em 26 países, incluindo o Brasil, mostra que 70% das empresas estão obtendo ganhos “significativos” ou “muito significativos” com seus investimentos em privacidade. Uma das principais vantagens indicadas na pesquisa é ganhar a confiança dos clientes. No Brasil, o retorno médio é de 2,8 vezes o valor investido, mais que a média internacional, de 1,8 vez.
Para o levantamento, intitulado “Data Privacy Benchmark Study 2023”, a Cisco ouviu 3 mil profissionais de segurança. Apesar do cenário econômico hostil, a previsão é que o investimento médio nesse segmento aumentará de US$ 1,2 milhão em 2020 para US$ 2,7 milhões neste ano. No Brasil, 97% dos entrevistados dizem que a privacidade tornou-se um imperativo de negócio e 90% afirmam que o consumidor não compraria de uma empresa que não garante a segurança de suas informações.
A legislação é parte central desse círculo virtuoso. Embora digam que se adequar às regras envolve esforços e custos significativos para suas empresas, 79% dos entrevistados afirmam que as leis de proteção de dados têm impacto positivo; no Brasil, o número é ainda maior, de 81%.
“É muito importante que as empresas compreendam que o investimento em privacidade tem potencial de gerar não somente valor de negócios em vendas, como agregar segurança às operações e, o principal, mais confiança dos consumidores”, afirma Marcia Muniz, diretora jurídica da Cisco América Latina e Canadá e Data Protection Officer (DPO).
Além do consumidor, as políticas de proteção de dados têm atraído a atenção de outro público essencial aos negócios - o investidor. Processos de “due dilligence”, pelos quais uma empresa avalia os benefícios e riscos de uma aquisição, passaram a considerar também o grau de segurança digital na formação do preço a ser pago, diz Pieri. “Ninguém quer comprar uma empresa cuja proteção de dados seja péssima.”
O ano de 2023 promete ser decisivo para o tema no Brasil. Em funcionamento desde novembro de 2020, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem uma agenda regulatória de 20 itens a definir no período 2022/2023. São pontos que regulamentam a LGPD. A definição mais aguardada é a chamada dosimetria, que estipula a punição para cada tipo de violação.
“A dosimetria precisa levar em consideração vários fatores: o risco, o dano, o tamanho da empresa, se é a primeira violação, se houve reincidência... Isso vale tanto para companhias privadas como órgãos públicos”, diz Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, diretor-presidente da ANPD. O órgão aguarda a dosimetria para fazer eventuais punições. Indicado na semana passada, caberá ao relator apresentar parecer ao conselho diretor da ANPD, composto de cinco membros. A previsão é que a definição saia ainda este mês, afirma.
Em 2022, a ANPD recebeu 1.110 denúncias, 703 petições de titulares de dados e 287 comunicados de incidentes de segurança. Foram instaurados 40 processos de fiscalização até agora. Desses, 16 já foram concluídos e outros 16 estão em curso no âmbito da regulação responsiva, em que cabem medidas preventivas e de orientação. Existem 8 processos administrativos instaurados - são esses os casos passíveis de punição.
Na estrutura da ANPD estão 81 funcionários. Para comparar, a autoridade de privacidade no Reino Unido tem uma equipe de 900 pessoas, diz Ortunho. Nos próximos meses, caberá à ANPD regulamentar a transferência internacional de dados, os direitos dos titulares e os novos formulários para comunicados de incidentes de segurança, entre outros temas. O objetivo não é virar uma “fábrica de multas”, afirma o diretor-presidente da ANPD, “mas conscientizar todos os envolvidos”.
É o caso dos titulares dos dados pessoais. Embora seja o principal interessado, o indivíduo nem sempre está consciente dos cuidados que deve tomar. “A pessoa entra na farmácia e dá o CPF sem perguntar para o que será usado”, comenta Souza, do ITS Rio. Esse comportamento reflete um desequilíbrio na relação custo/benefício da economia de dados.
Por influência da internet, em particular das redes sociais e sites de comércio eletrônico, o consumidor se habituou a ceder seus dados para obter serviços digitais, sem perceber que está pagando por eles ao compartilhar informações valiosas. “A pessoa pensa na vantagem, mas não no custo”, diz Souza. Reequilibrar essa balança é considerado um passo essencial. “O futuro será cada vez mais digital e vai produzir mais e mais dados”, afirma o especialista. “É um caminho sem volta.”
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