Notícia - Câmara aprova projeto de lei para vedar vínculo de emprego entre pastor e igreja
Área: Pessoal Publicado em 09/09/2022 | Atualizado em 23/10/2023
Fonte: Jornal Valor Econômico
Questão é discutida em 8,5 mil processos e Judiciário se divide sobre a possibilidade
A Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto de lei para tentar resolver uma discussão judicial polêmica: a possibilidade de vínculo de emprego entre padres ou pastores e igrejas. O texto prevê alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para impedir o reconhecimento da relação, discutida em cerca de 8,5 mil processos judiciais, com valor total de R$ 2,5 bilhões, segundo levantamento realizado pela Data Lawyer Insights a pedido do Valor.
São muitos pedidos, afirmam especialistas, para uma causa que, em geral, não deveria ser reconhecida e costuma ser barrada no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Primeira e segunda instâncias, por sua vez, se dividem sobre o assunto.
O projeto de lei (PL) é o de nº 1.096, de 2019. Foi aprovado no fim de agosto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados e, agora, segue para o Senado. Proposto e relatado por deputados ligados a igrejas evangélicas, o texto veta vínculo empregatício ou relação de trabalho entre as entidades de confissão religiosa e seus ministros, pastores, presbíteros, bispos, freiras, padres, evangelistas, diáconos, anciãos ou sacerdotes.
Os autores da proposta, deputados Vinicius Carvalho (PRB-SP) e Roberto Alves (PRB-SP), afirmam, na justificativa, que a adesão a uma confissão religiosa responde a um chamado de ordem espiritual, “de perceber recompensas transcendentes e não ao desejo de ser remunerado por um serviço prestado como ocorre com o trabalho secular”. Um projeto parecido já foi arquivado pela Câmara (PL nº 5443, de 2005).
Ainda de acordo com os deputados, não existe qualquer relação empregatícia, pois o direito canônico dos católicos ou a lei própria das demais religiões conferem a essa relação uma dignidade maior que as relações de conteúdo econômico entre empregadores, empregados e aqueles que prestam serviços.
“A inexistência do vínculo empregatício se dá pelo fato de que o líder religioso exerce suas atividades em prol da fé, missão essa que abraça por ideologia, distinguindo-se, pois, do trabalhador da igreja com vínculo empregatício”, afirmam na justificativa.
A proposta teria o efeito, segundo especialistas, de acabar com a discussão no Judiciário. Os 8,5 mil processos em tramitação - 901 ajuizados no ano passado - pedem o reconhecimento de relação de emprego ou vínculo empregatício em atividades de organizações religiosas ou filosóficas.
“É muito frequente [a discussão], mas a jurisprudência, especialmente do TST, tem se posicionado no sentido de não conceder o vínculo”, diz o advogado Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados. “O fato de receber valor mensal e ir todo dia não é suficiente para reconhecimento de vínculo.”
Ele lembra que, para o reconhecimento de vínculo trabalhista, é necessário haver onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação. “O fato de receber uma ajuda de custo não significa por si só o elemento de onerosidade”, afirma ele, acrescentando que o cumprimento de regras da religião não indica subordinação, assim como fazer a pregação diária não significa habitualidade. “Os elementos precisam estar presentes de forma concomitante.”
Alguns casos sobre o tema não foram aceitos no TST por ausência de transcendência - importância do tema para julgamento - ou necessitarem de análise de provas, o que é vedado aos ministros. Em decisão de 2018, a 6ª Turma, porém, afirmou que, apesar de não reconhecer o caso pela falta de transcendência, entende que “o sacerdócio não é um emprego, mas dom e vocação a serviço da fé, razão pela qual a pessoalidade na realização do trabalho, a habitualidade do seu exercício, o respeito aos dogmas e hierarquia da igreja e o recebimento de remuneração, por si só não autorizam sua caracterização como empregado”.
No caso, as provas apontavam remuneração pela atividade desempenhada, que não se limitava à transmissão de orientação espiritual, com a submissão a “metas de arrecadação de receitas”. Para o regional, pelo desvio de finalidade da atividade religiosa, a igreja deveria ser reconhecida como empregadora (AIRR - 1259-32.2016.5.12.0027).
Na segunda instância, os desembargadores se dividem sobre a possibilidade de reconhecimento de vínculo. Em março, a 5ª Turma do TRT de Minas Gerais, por exemplo, negou o pedido de um pastor de uma igreja evangélica. Para os julgadores, o trabalho exercido não caracterizaria relação de emprego.
O pastor alegou, no caso, que havia sido contratado como “ministro religioso pastor” e que morava nos aposentos da igreja, ficando 24 horas lá, e que, a partir de setembro de 2015, começou a trabalhar para a igreja em Uberlândia, convidado com promessa de pagamento a cada quinzena. Já a igreja alegou se tratar de atividade religiosa desenvolvida de forma voluntária (processo nº 0010483-54.2019.5.03.0054).
No TRT do Espírito Santo, por sua vez, foi reconhecido vínculo de emprego em processo ajuizado por um outro pastor de igreja evangélica. Os desembargadores da 1ª Turma destacaram que o pastor se reportava ao superior na região onde atuava, prestava contas regularmente e participava de reuniões sobre metas.
A decisão do TRT considera que havia pessoalidade e que poderiam ser realizados até três cultos por dia. Além disso, aponta que, no caso, houve desvio da finalidade institucional, com atividade com conotação empresarial ou mercantil e não apenas de propagação da religião (processo nº 0001038-21.2018.5.17.0001).
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Questão é discutida em 8,5 mil processos e Judiciário se divide sobre a possibilidade
A Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto de lei para tentar resolver uma discussão judicial polêmica: a possibilidade de vínculo de emprego entre padres ou pastores e igrejas. O texto prevê alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para impedir o reconhecimento da relação, discutida em cerca de 8,5 mil processos judiciais, com valor total de R$ 2,5 bilhões, segundo levantamento realizado pela Data Lawyer Insights a pedido do Valor.
São muitos pedidos, afirmam especialistas, para uma causa que, em geral, não deveria ser reconhecida e costuma ser barrada no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Primeira e segunda instâncias, por sua vez, se dividem sobre o assunto.
O projeto de lei (PL) é o de nº 1.096, de 2019. Foi aprovado no fim de agosto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados e, agora, segue para o Senado. Proposto e relatado por deputados ligados a igrejas evangélicas, o texto veta vínculo empregatício ou relação de trabalho entre as entidades de confissão religiosa e seus ministros, pastores, presbíteros, bispos, freiras, padres, evangelistas, diáconos, anciãos ou sacerdotes.
Os autores da proposta, deputados Vinicius Carvalho (PRB-SP) e Roberto Alves (PRB-SP), afirmam, na justificativa, que a adesão a uma confissão religiosa responde a um chamado de ordem espiritual, “de perceber recompensas transcendentes e não ao desejo de ser remunerado por um serviço prestado como ocorre com o trabalho secular”. Um projeto parecido já foi arquivado pela Câmara (PL nº 5443, de 2005).
Ainda de acordo com os deputados, não existe qualquer relação empregatícia, pois o direito canônico dos católicos ou a lei própria das demais religiões conferem a essa relação uma dignidade maior que as relações de conteúdo econômico entre empregadores, empregados e aqueles que prestam serviços.
“A inexistência do vínculo empregatício se dá pelo fato de que o líder religioso exerce suas atividades em prol da fé, missão essa que abraça por ideologia, distinguindo-se, pois, do trabalhador da igreja com vínculo empregatício”, afirmam na justificativa.
A proposta teria o efeito, segundo especialistas, de acabar com a discussão no Judiciário. Os 8,5 mil processos em tramitação - 901 ajuizados no ano passado - pedem o reconhecimento de relação de emprego ou vínculo empregatício em atividades de organizações religiosas ou filosóficas.
“É muito frequente [a discussão], mas a jurisprudência, especialmente do TST, tem se posicionado no sentido de não conceder o vínculo”, diz o advogado Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados. “O fato de receber valor mensal e ir todo dia não é suficiente para reconhecimento de vínculo.”
Ele lembra que, para o reconhecimento de vínculo trabalhista, é necessário haver onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação. “O fato de receber uma ajuda de custo não significa por si só o elemento de onerosidade”, afirma ele, acrescentando que o cumprimento de regras da religião não indica subordinação, assim como fazer a pregação diária não significa habitualidade. “Os elementos precisam estar presentes de forma concomitante.”
Alguns casos sobre o tema não foram aceitos no TST por ausência de transcendência - importância do tema para julgamento - ou necessitarem de análise de provas, o que é vedado aos ministros. Em decisão de 2018, a 6ª Turma, porém, afirmou que, apesar de não reconhecer o caso pela falta de transcendência, entende que “o sacerdócio não é um emprego, mas dom e vocação a serviço da fé, razão pela qual a pessoalidade na realização do trabalho, a habitualidade do seu exercício, o respeito aos dogmas e hierarquia da igreja e o recebimento de remuneração, por si só não autorizam sua caracterização como empregado”.
No caso, as provas apontavam remuneração pela atividade desempenhada, que não se limitava à transmissão de orientação espiritual, com a submissão a “metas de arrecadação de receitas”. Para o regional, pelo desvio de finalidade da atividade religiosa, a igreja deveria ser reconhecida como empregadora (AIRR - 1259-32.2016.5.12.0027).
Na segunda instância, os desembargadores se dividem sobre a possibilidade de reconhecimento de vínculo. Em março, a 5ª Turma do TRT de Minas Gerais, por exemplo, negou o pedido de um pastor de uma igreja evangélica. Para os julgadores, o trabalho exercido não caracterizaria relação de emprego.
O pastor alegou, no caso, que havia sido contratado como “ministro religioso pastor” e que morava nos aposentos da igreja, ficando 24 horas lá, e que, a partir de setembro de 2015, começou a trabalhar para a igreja em Uberlândia, convidado com promessa de pagamento a cada quinzena. Já a igreja alegou se tratar de atividade religiosa desenvolvida de forma voluntária (processo nº 0010483-54.2019.5.03.0054).
No TRT do Espírito Santo, por sua vez, foi reconhecido vínculo de emprego em processo ajuizado por um outro pastor de igreja evangélica. Os desembargadores da 1ª Turma destacaram que o pastor se reportava ao superior na região onde atuava, prestava contas regularmente e participava de reuniões sobre metas.
A decisão do TRT considera que havia pessoalidade e que poderiam ser realizados até três cultos por dia. Além disso, aponta que, no caso, houve desvio da finalidade institucional, com atividade com conotação empresarial ou mercantil e não apenas de propagação da religião (processo nº 0001038-21.2018.5.17.0001).
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