Mudanças no Código Civil e reforma tributária: planejamento sucessório em xeque?

Área: Fiscal Publicado em 04/09/2024

Mudanças no Código Civil e reforma tributária: planejamento sucessório em xeque?

Diante das movimentações no Legislativo, 2024 será um ano importante para as famílias que buscam planejar de forma antecipada a sucessão de seu patrimônio. Isso porque potenciais alterações nas esferas civil e tributária podem fazer com que a postergação de decisões traga resultados indesejados e maiores custos.

Destacamos, por exemplo, a alteração quanto à sucessão dos cônjuges prevista no anteprojeto de lei para revisão e atualização do Código Civil[1]. No atual cenário, quando do falecimento de um dos cônjuges, o patrimônio pode ser dividido entre os filhos e o cônjuge sobrevivente – quando casados no regime de separação convencional de bens ou, na comunhão parcial, quanto aos bens particulares. Se aprovado o anteprojeto, o cônjuge deixa de concorrer com os filhos do casal, perdendo também a condição de herdeiro necessário.

Em face disso, especialmente nos casamentos sob o regime de separação de bens em que se pretenda a proteção do cônjuge sobrevivente, torna-se importante o auxílio de profissionais especializados para o estudo de alternativas, a exemplo dos planos de previdência privada e do testamento.

Já no viés tributário, a reforma tributária aprovada com a Emenda Constitucional 132/2023 deverá ser objeto de regulamentação este ano – o PLP 68/2024 já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda a tramitação no Senado, enquanto o PLP 108/2024 deverá ser objeto de deliberação pela Câmara em agosto.

Para o planejamento sucessório, o ponto de destaque são as alterações no texto do PLP 108[2] quanto ao ITCMD, o imposto estadual incidente sobre heranças e doações.

Entre as principais mudanças está a obrigatoriedade da adoção pelos estados de alíquotas progressivas. Atualmente, a alíquota máxima do ITCMD está limitada a 8%[3], mas pode chegar a 16% se aprovado o Projeto de Resolução do Senado 57/2019, o que representa uma real possibilidade de aumento da carga tributária em estados como São Paulo, em que a atual alíquota é fixa de 4%. Como reflexo, já está em tramitação no estado paulista o PL 7/2024, que prevê alíquotas progressivas para o ITCMD entre 2 e 8%.

Além disso, o PLP 108 traz previsão específica sobre a base de cálculo do ITCMD na transmissão de participações societárias não negociadas em bolsa ou em mercado de balcão organizado. Hoje, alguns estados permitem a adoção do valor de patrimônio líquido da participação[4], mas o PLP 108 estabelece que a base de cálculo do ITCMD será, no mínimo, o “patrimônio líquido ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio”, o que gera risco de aumento da carga tributária nos planejamentos sucessórios futuros.

Outra previsão que deve pautar a atenção dos contribuintes é quanto ao fato gerador do ITCMD nos casos de distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados, quando realizados entre partes vinculadas. Esta incidência pode ir de encontro à posição já manifestada por alguns estados, a exemplo de São Paulo, cuja Secretaria de Fazenda já se posicionou pela não incidência do ITCMD na regular distribuição desproporcional de dividendos[5].

O PLP 108 também prevê a incidência de ITCMD sobre a transmissão de aportes financeiros realizados em planos de previdência privada, excluindo a tributação apenas sobre:

a parcela dos valores auferidos em decorrência do contrato de seguro, assim compreendida a que exceder a provisão formada pelos aportes e respectivos rendimentos; e

aportes realizados em planos VGBL realizados há mais de 5 anos.

Acontece que a constitucionalidade da incidência do ITCMD sobre valores aportados tanto em planos VGBL quanto PGBL está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1214 de Repercussão Geral.

Outra novidade do PLP 108 é a definição do momento do fato gerador do ITCMD na transmissão de bens e direitos objeto de trusts no exterior, a qual segue o racional trazido para o IRPF na chamada Lei das Offshores (14.754/2023). Tais regras também vão de encontro ao entendimento da Fazenda Estadual Paulista manifestado, por exemplo, na Resposta à Consulta Tributária 25.343/2022.

Como última ponderação, temos a regulamentação da incidência do ITCMD sobre doações e heranças realizadas por não residentes. Apesar de tal cobrança ter sido considerada inconstitucional pelo STF no Tema 825 da repercussão geral, a questão se deu apenas em razão da ausência de lei complementar. A partir da aprovação do PLP 108 passaria a ser possível a tributação, sendo outro ponto de atenção na doação e na sucessão envolvendo patrimônio de residentes no exterior.

Embora ainda não tenham sido aprovados no Congresso Nacional, ambos os projetos já estão em fase avançada, tornando-se motivo de atenção e, possivelmente, incentivo à ação para aqueles que buscam eficiência na organização de seu patrimônio familiar.

[1]https://www6g.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9609821&

 https://legis.senado.leg.br/comissoes/txtmat?codmat=159721, acesso em 19/07/2024.

[2]Relatório Substitutivo apresentado pelo Grupo de Trabalho em 9 de julho último.

[3]Resolução do Senado Federal no. 9/1992.

[4]É o caso de São Paulo, cf. art. 14, §3º, da Lei 10.705/2000.

[5]Respostas a Consulta Tributária nos. 20952M1/2019 e 18603/2018.

Fonte: Jota