Entenda quem pode usar e quais as vantagens da holding familiar no planejamento sucessório

Área: Fiscal Publicado em 03/09/2024

Entenda quem pode usar e quais as vantagens da holding familiar no planejamento sucessório

Depois da pandemia, a reforma tributária vem fazendo famílias pensarem em, finalmente, elaborar o planejamento sucessório. Um dos grandes incentivos são as mudanças na cobrança do imposto da herança e doações. O ITCMD vai passar ter alíquotas progressivas — quanto maior o patrimônio, maior a alíquota.

A reforma tributária foi aprovada no fim do ano passado, por meio da Emenda Constitucional nº 132, com o objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro. Agora, sua regulamentação está em debate no Congresso Nacional para definir detalhes de como ela será colocada em prática. O Projeto de Lei nº 68, por exemplo, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e seguiu para análise e votação do Senado.

No planejamento sucessório, um dos instrumentos que vêm sendo estudados pelas famílias é a holding, que é a criação de uma sociedade para concentrar e tornar mais fácil a administração dos bens de um núcleo familiar.

“A holding familiar pode se mostrar viável e proveitosa principalmente quando o patrimônio familiar consiste significativamente em bens imóveis”, afirma Vanessa Sene, advogada da área societária e planejamento patrimonial da Innocenti Advogados.

Abaixo, a especialista esclarece dúvidas sobre o tema, em oito perguntas e respostas:

1. O que é planejamento patrimonial e sucessório?

O planejamento patrimonial e sucessório é a estratégia que articula as diversas ferramentas disponíveis no nosso ordenamento jurídico para organizar o patrimônio de uma pessoa ou família, pensando, inclusive, na sucessão e visando endereçar as preocupações do titular do patrimônio.

Algumas das preocupações que podem ser administradas com o planejamento são: assegurar a gestão do patrimônio a algum ou alguns familiares no momento do falecimento, propiciar a manutenção desse patrimônio no âmbito familiar nos casos de desfazimento de uniões estáveis ou casamentos, minimizar os riscos de desavenças entre os sucessores no momento do falecimento, ou mesmo garantir que essas desavenças não interfiram ou inviabilizem a gestão do patrimônio. Também propiciar eficiência fiscal na exploração do patrimônio e na sua transmissão e garantir o bem-estar dos sucessores no momento do falecimento, conferindo celeridade ao processo sucessório.

Também propiciar eficiência fiscal na exploração do patrimônio e na sua transmissão e garantir o bem-estar dos sucessores no momento do falecimento, conferindo celeridade ao processo sucessório.

2. O que é a chamada holding familiar?

A holding familiar, concisamente, é uma sociedade constituída para concentrar e administrar os bens de seus sócios, pertencentes a um núcleo familiar. Os sócios podem conferir o seu patrimônio a essa pessoa jurídica e obter em troca a participação societária nesta estrutura. Como qualquer pessoa jurídica, a holding poderá adquirir novos bens, explorar, administrar e até mesmo alienar seu patrimônio, tudo nos termos da legislação vigente e do contrato social.

É uma importante ferramenta de planejamento e pode ser uma boa alternativa a depender do caso e, principalmente, quando bem articulada com as demais ferramentas disponíveis.

3. O planejamento sucessório com holding é usado apenas por famílias ricas?

A constituição e manutenção da holding familiar demanda recursos que, a depender do caso concreto, poderão ser compensados futuramente com eficiência fiscal e redução de custos com aspectos formais para movimentação e gestão do patrimônio, tanto no decorrer do tempo, como, principalmente, no momento da sucessão. Ou seja, apesar de muitas vezes a organização de parte do patrimônio em holding familiar resultar em economia a longo prazo, é necessário disponibilidade de recursos para estruturá-la e para arcar com custos de manutenção.

No entanto, a holding familiar não é uma ferramenta restrita apenas a famílias multimilionárias e pode se mostrar viável e proveitosa principalmente quando o patrimônio familiar consiste significativamente em bens imóveis.

Mas é importante frisar que a holding familiar não é a única ferramenta disponível para o planejamento patrimonial e sucessório. Há ferramentas mais baratas e menos complexas e capazes de endereçar muitas das preocupações dos titulares do patrimônio.

4. Holding familiar evita o inventário?

A constituição de uma holding familiar com a conferência de bens pelo titular do patrimônio não evita o inventário. O inventário é um procedimento obrigatório que pode ser feito de forma judicial (por meio de ação judicial) ou, em alguns casos, extrajudicial (em cartório de notas) após o falecimento de uma pessoa que tenha bens a serem sucedidos.

Quando o titular do patrimônio constitui uma holding, transferindo os seus bens a essa estrutura, passa a ser titular das quotas ou ações dessa estrutura, de modo que, caso não haja uma transferência em vida da titularidade dessa estrutura aos seus sucessores, esta constará no inventário como bem a ser partilhado, além dos demais bens de titularidade da pessoa física no momento do falecimento. Os bens que estão dentro da holding continuarão de propriedade da pessoa jurídica, mudando apenas os titulares da sociedade em si, nos termos da lei e do contrato ou estatuto social.

O que ocorre é que o planejamento patrimonial, como o próprio título sugere, prevê também como se dará o inventário, articulando as ferramentas de modo a facilitar e otimizar tempo e recursos na sucessãodos bens. Em alguns planejamentos, o titular escolhe reduzir os bens sob sua titularidade, já transferindo a propriedade de parte significativa do seu patrimônio, podendo, inclusive, guardar para si o usufruto vitalício desse patrimônio.

Em suma: a constituição da holding em si não evita o inventário, mas pode ser uma importante ferramenta para otimizar esse procedimento. Principalmente quando articulada com outras ferramentas disponíveis no nosso ordenamento.

5. Os bens da holding familiar devem ser partilhados em caso de divórcio dos sócios?

Essa resposta depende da análise do caso concreto e deverá considerar alguns pontos, tais como: o regime de bens adotado no casamento, a forma de aquisição das quotas, a existência ou não de cláusulas restritivas derivadas de doação ou testamento, entre outros.

No entanto, uma coisa é certa: a holding familiar não poderá ser utilizada como forma de lesar ou fraudar os bens aos quais o outro cônjuge teria direito em virtude do regime de bens do casamento. Se constatada essa finalidade, o cônjuge prejudicado poderá requerer a desconsideração da personalidade jurídica para que os bens conferidos à holding integrem o patrimônio a ser partilhado.

6. Constituir uma holding familiar e transferir para ela os imóveis da família traz economia de tributação?

Em um país com carga tributária significativa e um sistema bastante complexo, existem estratégias para articular, de forma lícita e cautelosa, as ferramentas jurídicas disponíveis de forma a otimizar recursos e obter eficiência fiscal em relação à tributação aplicável durante a exploração do patrimônio e no momento da transmissão aos sucessores. No entanto, a resposta se a holding será a melhor estratégia dependerá de simulação de cálculos com as informações de cada situação.

Temos observado estratégias que cruzam a linha da licitude e articulam as ferramentas jurídicas do planejamento patrimonial de forma a simular negócios jurídicos com a única finalidade de afastar a tributação, resultando em evasão fiscal. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Fazenda tem aumentado a fiscalização de forma a inibir esse tipo de conduta.

7. Quando começar a pensar em planejamento patrimonial e sucessório?

Temos a impressão de que o planejamento patrimonial é um ato de última vontade, que deve ser cogitado apenas no fim da vida. No entanto, um bom planejamento patrimonial pode otimizar recursos e facilitar a gestão e o crescimento do patrimônio em vida e beneficiar os sucessores no momento do falecimento do titular. O planejamento feito durante o processo de construção desse patrimônio traça um mapa de providências e deixa tudo organizado para um evento tão imprevisível como a morte.

Em outra ótica, em virtude dos reflexos da reforma tributária, haverá alteração de alíquotas em alguns Estados e mesmo de critérios de tributação. Por conta disso, estamos em um bom momento para planejar a sucessão e avaliar se há alguma movimentação a ser feita antes dessas alterações.

8. A regulamentação da reforma tributária poderá impactar o planejamento sucessório?

Sim, há uma série de impactos para o planejamento patrimonial e sucessório. Dentre eles, os derivados das alterações relativas ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

A regulamentação do imposto é competência estadual, nos termos da Constituição Federal, e tem alíquota máxima de 8%. Dessa forma, cada Estado regula a alíquota, respeitado o limite estabelecido, bem como a forma de aplicação (se fixa ou progressiva, por exemplo).

Com a reforma, passa a ser regra a aplicação progressiva da alíquota de acordo com o montante da herança e da doação, de modo que cada Estado deverá regulamentar como se dará a progressão. Isso implicará em mudanças significativas em alguns Estados. Em São Paulo, por exemplo, atualmente a alíquota é fixa em 4%. Com as alterações, a depender do patrimônio em questão, poderá chegar a 8%. Além disso, a reforma prevê que o Estado competente será o de residência do titular do patrimônio. Hoje é o da situação do bem.

Há ainda outras alterações relacionadas ao ITCMD e a outros temas que poderão impactar, direta e indiretamente, o planejamento patrimonial e sucessório. Até por conta disso, este é um ano determinante para planejar a sucessão.

Fonte: Valor Econômico