Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida ou em recuperação
Área: Contábil Publicado em 29/10/2024Discute-se a respeito da Justiça competente para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida ou em recuperação judicial, considerando o juízo universal previsto na Lei 11.101/2005.
Nos termos da Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória” (DJe 19/9/2016).
Nessa linha, segundo a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho: “o redirecionamento da execução contra os sócios ou integrantes do mesmo grupo econômico da empresa falida, ou em recuperação judicial, não afasta a competência da Justiça do Trabalho, eis que a execução está voltada contra o patrimônio dos próprios responsáveis solidários reconhecidos pelo juízo da execução” (TST, 5ª Turma, Ag-AIRR-159-14.2010.5.02.0065, relator: ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 20/9/2019).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo sentido: “não traduz violação ao juízo atrativo da falência e da recuperação judicial o prosseguimento, perante a Justiça do Trabalho, de execuções contra sócios não atingidos pelo plano de recuperação ou pela decretação da falência” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC 136.779/MT, rel. min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 2/12/2014). Cf. STJ, 2ª Seção, AgInt nos EDcl no CC 161.953/GO, 2018/0288307-1, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 22/8/2019.
Confirmando o exposto, de acordo com a Súmula 480 do STJ: “O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa” (DJe 1/8/2012).
Normas referentes à desconsideração da PJ da sociedade falida
No Direito Empresarial, é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica (artigo 82-A da Lei 11.101/2005, incluído pela Lei 14.112/2020).
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do artigo 50 do Código Civil e dos artigos 133, 134, 135, 136 e 137 do Código de Processo Civil, não aplicada a suspensão do processo de que trata o § 3º do artigo 134 do CPC (artigo 82-A, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, incluído pela Lei 14.112/2020).
Logo, para que a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida seja decretada pelo juízo da falência, devem ser observadas as referidas normas jurídicas materiais e processuais sobre a matéria, em respeito à ordem jurídica e ao devido processo legal [1].
Conforme o artigo 50 do Código Civil, com redação dada pela Lei 13.874/2019, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso [2].
Os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil disciplinam o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como modalidade de intervenção de terceiros [3].
Esclareça-se que o artigo 82-A, parágrafo único, da Lei 11.101/2005 não estabelece a exclusividade do juízo falimentar para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida [4], mas os requisitos exigidos para a sua decretação pelo referido juízo [5]. O mesmo entendimento pode ser aplicado quanto à recuperação judicial [6]. Cf. STF, CC 8.318/BA, rel. min. Roberto Barroso, DJe 14./7/2023.
Ainda assim, cabe registrar o entendimento de que, com a entrada em vigor do artigo 82-A, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, incluído pela Lei 14.112/2020, somente o juízo falimentar tem competência para julgar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida. Cf. STJ, CC 203.826/SP, 2024/0097799-2, rel. min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11.06.2024. STF, Rcl 67.060/SP, rel. min. André Mendonça, DJe 8/4/2024. TST, 8ª T., RR-0000006-29.2017.5.09.0133, rel. min. Sergio Pinto Martins, DEJT 10/10/2024.
Como se pode notar, a questão permanece controvertida, devendo-se acompanhar a evolução da jurisprudência a respeito do tema.
[4] “2. A mera decisão de desconstituição da personalidade jurídica pela Justiça trabalhista, por si só, não enseja o reconhecimento de usurpação da competência do juízo falimentar, porque não atinge direta e concretamente os bens da massa falida. Ao contrário, é medida secundária que se limita a estender a responsabilidade trabalhista aos sócios e/ou outras empresas do grupo. 3. A Lei de Falências não retira de outros juízos a possibilidade de instauração de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica ou de reconhecimento da existência de grupo econômico” (STJ, 2ª Seção, AgInt no CC 190.942/GO, 2022/0258759-4, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05.06.2023).
[5] “Processual Civil. Conflito de competência entre o juízo falimentar e o juízo do trabalho. Desconsideração da personalidade jurídica nos autos do processo trabalhista. Art. 82-A, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005, inserido pela Lei n. 14.112/2020. Regra de competência. Ausência. 1. O parágrafo único do art. 82-A da Lei n. 11.101/2005 determina que ‘a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)’. 2. Tal dispositivo visa a (i) distinguir os institutos da desconsideração da personalidade jurídica e da extensão da falência a terceiro e (ii) padronizar o procedimento e os requisitos materiais para a desconsideração especificamente nos autos do processo falimentar. 3. Portanto, o propósito do dispositivo não é o de conferir ao juízo da falência competência exclusiva para determinar a desconsideração, mas estabelecer que a personalidade jurídica da sociedade falida somente poderá ser decretada com a observância dos requisitos do art. 50 do CC/2002 e dos arts. 133 e seguintes do CPC/2015. 4. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica se limita a decidir sobre a inclusão de terceiro na respectiva demanda como devedor, não se estendendo para solucionar a forma de pagamento, a quem se deve pagar, nem quando a execução deverá ser extinta, sendo certo que, por si, não interfere no princípio da par conditio creditorum. 5. Em tal contexto jurídico, ausente manifestação do juízo falimentar a respeito da própria competência para decidir sobre a desconsideração da personalidade jurídica postulada nos autos do processo trabalhista, tem-se como inexistente o conflito. 6. Conflito de competência não conhecido” (STJ, 2ª Seção, CC 200.775/SP, 2023/0386109-4, Rel. p/ ac. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 11.09.2024).
[6] “Agravo interno no conflito de competência. Recuperação judicial. Desconsideração da personalidade jurídica pela Justiça do Trabalho. Competência indistinta de qualquer ramo da Justiça brasileira. Ausência de invasão de atribuições judiciais. Agravo interno desprovido. 1. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Justiça do Trabalho tem competência para decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação judicial, pois tal mister não é atribuído com exclusividade a um determinado Juízo ou ramo da Justiça. 2. Agravo interno desprovido” (STJ, 2ª Seção, AgInt nos EDcl no CC 190.431/SP, 2022/0234676-0, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 06.03.2023).
Gustavo Filipe Barbosa Garcia - é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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Fonte: Conjur