Confissão de débito em transação no Estado de SP

Área: Fiscal Publicado em 06/02/2024

Confissão de débito em transação no Estado de SP

Existe uma dúvida recorrente entre os contribuintes que optam por estancar um estado de conflituosidade com o Fisco no contexto de uma transação: quais são os efeitos de se efetivar uma confissão irrevogável e irretratável dos créditos abrangidos pela transação? A confissão efetivamente impede que o contribuinte se oponha à exigência posteriormente, uma vez que a norma legal diz que ela é irretratável e irrevogável?

Esse questionamento surge porque a confissão caracteriza requisito sine qua non para que seja formalizado o acordo de transação previsto, em redações idênticas, tanto na lei federal (artigo 3º, IV, V, parágrafo 1º, da Lei nº 13.988/20) quanto na nova lei do Estado de São Paulo que regulamenta o instituto (artigo 3º, IV, V, VI, parágrafo 1º, da Lei nº 17.843/23), devendo o contribuinte também renunciar às discussões judiciais em andamento a respeito dos créditos transacionados.

A Lei nº 17.843/23, dando maior norte sobre como responder à indagação anteriormente suscitada, teve o cuidado de prever, em seu artigo 10, VII, exceções à renúncia e desistência de questionamentos judiciais acerca do crédito tributário transacionado, citando, expressamente, as hipóteses do artigo 57, merecendo destaque (i) as matérias objeto de jurisprudência consolidada nos tribunais; (ii) acórdãos transitados em julgado proferidos em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade pelo STF, em recurso repetitivo extraordinário ou especial, recurso extraordinário com repercussão geral, incidente de resolução de demandas repetitivas; além de (iii) súmula vinculante do STF e (iv) súmula do STJ ou TST.

A lei estadual da transação foi bastante feliz nessa disposição, já que possibilita se evidenciar no âmbito judicial, ainda que em momento posterior à formalização do acordo, que o tributo transacionado, na verdade, deve ser considerado indevido em razão da sua base de cálculo ser ilegal ou inconstitucional, sem que isso implique a rescisão do acordo de transação firmado com o Estado.

Isso demonstra que a confissão é um meio de prova, mas ela não tem nenhum efeito sobre os significados jurídicos dos fatos confessados. Assim, por mais irretratável e irrevogável que seja considerada a confissão realizada no âmbito de um acordo de transação qualquer, ela não impedirá a discussão dos efeitos ou dos significados jurídicos dos fatos “confessados”. Por isso, o contribuinte que confessa ser devedor do tributo “x” e resolve liquidá-lo por meio de um acordo de transação não está impedido de discutir esse mesmo tributo caso seja declarada a ilegalidade ou a inconstitucionalidade da norma que embasava a obrigação originária, como bem prevê a nova legislação paulista sobre transação tributária.

Vale lembrar, aqui, que o STJ, por meio da sua 1ª Seção, já teve oportunidade de se debruçar sobre o tema, manifestando-se no sentido de que a “confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos os quais incide a norma tributária é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuado com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários” (REsp 1133027/SP).

Veja que o próprio STJ reconheceu a irrelevância da confissão no que tange aos elementos jurídicos-normativos formadores da relação tributária, tendo-a como pertinente apenas para a definição dos contornos fáticos, que não podem ser revistos, salvo se comprovado eventual vício no consentimento do sujeito passivo.

Nesse contexto, a confissão em relação ao montante do crédito tributário e a renúncia do direito de discutir a sua legalidade somente podem ser mantidas se houver, também, a manutenção das condições iniciais em que elas foram efetivadas. Assim, como já se discutia na doutrina e jurisprudência relacionada, caminhou bem a Lei nº 17.843/23, que regulamentou a transação no Estado de São Paulo, ao prever a possibilidade de rediscussão da obrigação tributária transacionada tanto com base em alegações de direito atuais quanto com base em alegações de direito futuras.

Isso abre espaço para o contribuinte que tenha acordo de transação em andamento questionar parcelas vincendas caso o tributo confessado venha ser reconhecido como ilegal ou inconstitucional em jurisprudência consolidada, bem como recuperar eventuais valores recolhidos indevidamente no contexto da transação firmada com o Estado de São Paulo.

Embora muitos pontos da nova lei ainda estejam pendentes de regulamentação pela Procuradoria Geral do Estado, considera-se louvável que a Lei Estadual nº 17.843/23 tenha dado luz a importante discussão a respeito dos efeitos e consequências da confissão das dívidas e renúncia às discussões judiciais inerentes a um acordo de transação, contribuindo para um cenário jurídico mais sedimentado, racional e sistematizado em torno do instituto da transação tributária, pelo menos no Estado de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico