Brasil terá maior taxa de importação do mundo? Especialistas debatem

Área: Fiscal Publicado em 26/06/2024

Brasil terá maior taxa de importação do mundo? Especialistas debatem

A gigante do e-commerce Aliexpress disse que o Brasil terá a maior taxa de importação do mundo caso seja aprovado o Programa Mover. Segundo a empresa, a tributação para produtos de qualquer valor comprados via e-commerce será de 92%, caso aprovado o projeto da forma como foi enviado ao Congresso.

No posicionamento enviado ao Valor, a Aliexpress disse que a “mudança terá grande impacto, principalmente na população mais pobre, que utiliza as plataformas de e-commerce internacional para acessar uma rica variedade de bens a preços acessíveis”.

Na nota, a empresa diz que, com a alteração do Programa Mover, a “tributação de itens importados de qualquer valor comprados via e-commerce será de 92%, a maior taxa praticada em todo o mundo”.

A Aliexpress informou que o cálculo foi feito utilizando a legislação tributária do Brasil e o comparativo foi com base em dados da Global Express Association, uma associação comercial global da indústria de entrega expressa.

O que é o projeto?

O Programa Mobilidade Verde e Inovação - Programa MOVER, foi instituído pela Medida Provisória nº 1205/2023 no fim do ano passado com o objetivo inicial de apoiar o desenvolvimento tecnológico, a competitividade global, a descarbonização e a inovação na indústria automobilística (automóveis, caminhões e autopeças), explica Robson Gonçalves, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A Medida concede créditos tributários, previstos no valor de R$ 19,3 bilhões entre 2024 e 2028, a serem usados pelas empresas para abater impostos federais.

“A contrapartida seria a realização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e novos projetos voltados para produção de veículos mais sustentáveis. Outros R$ 3,5 bilhões em créditos tributários estão previstos para serem utilizados já em 2024 com foco na descarbonização”, descreve Borges.

A MP também criou o Fundo Nacional para Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), com recursos voltados para os mesmos segmentos e iniciativas sustentáveis.

O projeto já está valendo, mas precisa ser votado pelo Congresso, que tem até 31 de maio para decidir a aprovação ou não do projeto. Isso porque, como uma MP, o projeto precisa ser votado em 60 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. No dia 1 de abril foi feita a prorrogação do prazo para deliberação da Medida, com data final no fim do mês de maio.

E onde entra a tributação das importações?

Originalmente o projeto não tem relação com as pequenas importações com valores abaixo de US$ 50. Acontece que o deputado Átila Lira (PP-PI), relator da MP, que precisa ser aprovada pelo Congresso, incluiu no seu relatório um trecho que acaba com a isenção de impostos para importações abaixo de US$ 50, como acontece atualmente.

“É o que se costuma chamar de “um jabuti no alto de uma árvore”, ou seja, todo mundo se pergunta ‘como isso foi parar lá?’”, diz Borges.

No início do mês, o deputado relator do projeto disse ao Valor que o fim da isenção é discutido há meses a pedido da indústria e do varejo nacionais, mas só encontrou espaço para avançar agora, neste projeto, por tratarem de temas semelhantes: a importação” (no caso do projeto, de veículos).

O Valor procurou o deputado federal, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), responsável pela elaboração inicial do Programa Mover, que não continha o trecho sobre retomar a taxação, disse que o Mover é um programa voltado para descarbonização da cadeia automotiva e que a questão relativa ao e-commerce em nada se relaciona a este ou outros programas do MDIC.

“Ela [a questão relativa ao e-commerce] foi incluída no debate do Mover por meio de emendas parlamentares ao PL que cria o programa, atualmente em discussão na Câmara”, disse a pasta em resposta ao Valor.

Atualmente, as empresas que realizam importações abaixo de US$ 50 por remessa postal precisam se inscrever no Programa Remessa Conforme, da Receita Federal, sendo tributadas com alíquota de 17% de ICMS.

Porém, empresários brasileiros pressionam o Congresso a aprovar o fim da isenção com o argumento de que a entrada de produtos importados com a cobrança apenas do ICMS está afetando as vendas e provocando uma concorrência desleal aos varejistas e indústria brasileiros.

Caso aprovado o Mover com a inclusão do trecho inserido pelo relator, haveria taxação de 60% de imposto de importação sobre os produtos importados via e-commerce, independentemente do valor do item. O valor é igual ao que era cobrado antes do Remessa Conforme.

Brasil tem a maior tributação de importação do mundo?

Bordes pondera em relação ao dado usado pela Aliexpress explicando que alguns outros países também possuem tributações altas e ultrapassam o dado mencionado, como a taxação de carros elétricos chineses nos EUA que passou recentemente de 25% para 100%.

E, apesar da fala da Aliexpress, não há consenso entre quais são os países com as maiores taxas de importação do mundo, dizem os especialistas ouvidos pelo Valor. Isso porque cada estado possui formas e taxas diferentes de tributação.

"No caso do Brasil, por exemplo, o Imposto de Importação, usado para taxar os produtos, tem um cálculo mais 'complexo"”, diz Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. No país, operações de importação contam com outros impostos, que tornam a conta mais complicada, como ICMS, PIS e Cofins.

Mas o Brasil está iniciando a transição para um tributo simplificado, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aprovado na Reforma Tributária. O imposto, porém, só deve começar a valer a partir de 2026, com entrada em vigor plenamente em 2033. Até lá, a tributação seria no modelo atual.

O texto da reforma não fixa a alíquota do IVA, que será definida por uma futura regulamentação por lei complementar, mas as estimativas atuais apontam um valor entre 25,9% e 27,5%. Se alcançar os 27,5% previsto, o IVA do Brasil será o maior do mundo.

“Não existe um movimento de onerar excessivamente os produtos importados, existe um movimento de equiparar a tributação dos produtos importados com os produtos nacionais. O Brasil poderia ser inserir isso se já tivesse o IVA, mas como não tem, utiliza como cálculo o Imposto de Importação", diz Vanessa.

Exemplo de cálculo do Imposto de Importação:

  • Valor total da compra (com produto, frete e seguro): R$100 (cerca de US$ 20)
  • Alíquota de importação (60%): R$60,00
  • Alíquota de 17% de ICMS
  • Base de cálculo do ICMS: R$ 160,00 (valor com produto + frete + seguro + imposto de importação)
  • Valor a recolher de ICMS – 17%: R$ 32,77 (o cálculo é “por dentro”)
  • Valor para o consumidor final: R$ 192,77

No cenário internacional, os países já adotam um modelo de imposto simplificado similar ao IVA e procuram, por meio dele, igualar a tributação nacional e de importados. A União Europeia, por exemplo, criou o "One Stop Shop" (OSS) para facilitar a tributação para empresas de fora que vendem produtos para países do bloco, equiparando às taxas pagas por empresas do país.

Aqui no Brasil, se aprovado o projeto Mover e a taxação for retomada, o aumento causaria impactos: se por um lado a tributação protegeria a indústria nacional, por outro lado encareceria a compra de produtos para pessoas mais pobres, comenta Borges.

Um exemplo disso é que a Shein, outra gigante do e-commerce, divulgou que o percentual de consumidores das classes C, D e E que adquirem produtos internacionais na plataforma da empresa é de 88%, sendo 50% das classes D e E e 38% da classe C. Os dados são referentes ao primeiro trimestre de 2024 de pesquisa feita pelo instituto de pesquisa Ipsos, encomendada pela própria empresa.

“Ainda assim, a carga tributária sobre essas importações sofreria forte alta, inviabilizando boa parte das compras, sobretudo as vindas da China, e penalizando mais fortemente a população de baixa renda que faz uso amplo desse tipo de canal de comercialização”, ressalta Borges.

Por que produtos chineses são mais baratos que brasileiros?

Marcos Lisboa, economista e sócio da Gibraltar Consulting, explica que o Custo Brasil, ou seja, o custo que as empresas brasileiras têm para a produção no país, é alto se comparado a outros países emergentes. “Isso afeta, sobretudo, setores que dependem de infraestrutura”, diz.

A infraestrutura é composta por estradas, logística e oferta de energia cara para alguns setores, por exemplo, e causam um maior custo na produção, distribuição e transporte dos produtos brasileiros.

Os grandes impactos do Custo Brasil que encarecem o preço dos produtos brasileiros, segundo Lisboa são:

  • infraestrutura brasileira;
  • Sistema de tributação, com carga tributária elevada;
  • Risco jurídico, com mudanças de jurisprudência;
  • Baixa produtividade para alguns setores.

Setores menos dinâmicos em conseguir aumentar a produtividade também sofrem mais. O agronegócio, cita Lisboa, tem conseguido aumentar, ano após ano, pelo menos 3% da produtividade, mas outros setores, como parte da indústria, não têm tido o mesmo sucesso.

Em relação à tributação, há uma série de distorções tributárias no sistema brasileiro, como a isenção para compras importadas mais baixas, que afetam a produção nacional. “Idealmente, a estrutura tributária deveria ser a mesma para o que o país importa e o que é produzido nacionalmente”.

“Tem uma série de regras: quando se tem um imposto sobre consumo, em geral você paga o imposto sobre o que você vende, menos sobre o que você comprou. Essa é a regra do IVA. No Brasil não é assim porque é cheio de regime tributários especiais, de regras específicas, de casos particulares, varia por tipo de produto”, explica.

Além disso, é difícil comparar a tributação de importação com outros países, mas a carga tributária geral do Brasil, com o total de impostos que o país arrecada, em relação à renda e PIB do país, “é maior do que boa parte dos países emergentes”, diz.

Lisboa também ressalta que a tributação varia de país para país a depender da área, já que há países que tributam mais consumo, outros tributam mais renda. “Além disso, os países têm vantagens em áreas diferentes, como custo de produção e preço do trabalho”, diz.

Fonte: Valor Econômico