A perversidade dos fundos de ICMS
Área: Fiscal Publicado em 26/10/2022
Muito foi discutido nos últimos meses a respeito da redução da carga tributária de ICMS sobre os serviços de telecomunicação, energia elétrica e combustíveis, efetivada no contexto da edição da Lei Complementar nº 194/2022. Paralelamente às discussões que permeiam o tema, os efeitos dessa inovação normativa já assumem contornos pragmáticos, os passo que seus impactos já podem ser verificados no bolso dos brasileiros e no controle da inflação.
Essa redução também foi processada na esteira da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 745 da Repercussão Geral (RE 714.139), que fez valer os princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade.
No entanto, pouco ou nada se tem falado sobre a necessidade de aplicar igual tratamento ao adicional de até 2% na alíquota de ICMS exigido por alguns Estados e destinado ao financiamento dos denominados Fundos Estaduais de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecop), que impactam na composição da carga tributária suportada pelos consumidores finais.
A autorização para constituição dos Fecop foi incluída na Constituição Federal quando da edição da Emenda Constitucional nº 31/2000. Além de veicular a possibilidade de Estados e Distrito Federal instituírem os fundos aqui tratados, estabeleceu-se que seu financiamento seria suportado mediante a adição de até dois pontos percentuais sobre a alíquota do ICMS, incidente sobre os produtos e serviços a serem definidos por lei federal como supérfluos.
Passados mais de 20 anos da promulgação da emenda, a legislação federal que definiria os bens e dos serviços considerados supérfluos nunca fora editada. Diante da omissão do Congresso, desde o ano 2000, alguns Estados passaram a instituir, mediante legislação própria e sem qualquer critério, seus fundos destinados ao combate da pobreza e, assim, a exigência do adicional de ICMS.
Era por demais comum que a alíquota total do ICMS incidente, por exemplo, sobre os serviços de telecomunicação, alcançasse o patamar de 30% sobre o valor cobrado.
Essa falta de critério fica evidente quando se analisa o conteúdo das legislações estaduais, já que era possível encontrar Estados que exigiam o adicional sobre joias, iates, helicópteros, armamentos, bebidas alcoólicas e cigarros, dentre outros exemplos e, de forma totalmente imprópria e desconexa, sobre itens claramente essenciais como os serviços de telecomunicação e o fornecimento de energia elétrica. Ao menos 15 dos 27 Estados editaram leis exigindo o adicional sobre pelo menos um dos dois itens tratados.
Diante dessa constatação empírica, pergunta-se: qual o critério de uma norma que equipara, para fins de tributação sobre bens tidos como supérfluos, a prestação de serviços de telecomunicação e o fornecimento de energia elétrica com a venda de cigarros, joias, iates e helicópteros? Nenhum.
Fato é que a cobrança do adicional de alíquota sobre esses bens em específico destoa por completo de toda a lógica constitucional e, igualmente, da própria orientação firmada pelo STF, uma vez que os princípios da seletividade e da essencialidade devem orientar a incidência do ICMS e de qualquer cobrança a ele vinculada.
No contexto específico dos serviços de telecomunicação e da energia elétrica, isso se justifica por uma questão de claríssima compreensão: é o consumidor final que mais necessita do acesso a esses bens indispensáveis à vida em pleno ano de 2022, que acaba sendo onerado com a cobrança do adicional aqui analisado.
Vejamos o tamanho do paradoxo aqui enfrentado: os Estados instituem fundos destinados a combater a pobreza, exigindo como sua fonte de financiamento uma parcela adicional da já elevada alíquota do ICMS, mas o fazem incidir sobre bens revestidos da maior relevância, como o são os serviços de telecomunicação e a energia elétrica.
Por essa razão, os custos associados a esses serviços são majorados, dificultando o acesso daqueles que tanto necessitam, e que são justamente os “beneficiários” do fundo outrora instituído.
Corroborando o quanto defendido, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou 25 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), com o objetivo de declarar inconstitucionais os artigos das respectivas leis estaduais que estabeleciam a alíquota majorada para os serviços de telecomunicação e energia elétrica. Em algumas dessas ações, a PGR também já teve o cuidado de sustentar a inconstitucionalidade do adicional de alíquota destinado ao fundo de pobreza para esses bens e serviços.
Mesmo após a edição da Lei Complementar nº 194/2022, alguns Estados passaram a defender na ADI 7.195 que o fim da cobrança do adicional sobre esses serviços essenciais irá impactar o combate à pobreza, inviabilizando necessários investimentos. O que esses Estados insistem em ignorar é que, além de inconstitucional, a incidência do adicional sobre bens e serviços essenciais, a sua cobrança é perversa e acaba onerando justamente quem os Estados alegam defender.
Espera-se que o STF, quando do julgamento das ADI antigas e da ADI 7.195, que trata da Lei Complementar nº 194/2022, confirme que a exigência desse adicional de alíquota sobre os serviços de telecomunicação e a comercialização de energia elétrica se mostra inconstitucional, por violar o princípio da essencialidade, o que exige a revogação dos normativos estaduais que ainda promovem essa exigência.
Fonte: Valor Econômico NULL Fonte: NULL
Essa redução também foi processada na esteira da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 745 da Repercussão Geral (RE 714.139), que fez valer os princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade.
No entanto, pouco ou nada se tem falado sobre a necessidade de aplicar igual tratamento ao adicional de até 2% na alíquota de ICMS exigido por alguns Estados e destinado ao financiamento dos denominados Fundos Estaduais de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecop), que impactam na composição da carga tributária suportada pelos consumidores finais.
A autorização para constituição dos Fecop foi incluída na Constituição Federal quando da edição da Emenda Constitucional nº 31/2000. Além de veicular a possibilidade de Estados e Distrito Federal instituírem os fundos aqui tratados, estabeleceu-se que seu financiamento seria suportado mediante a adição de até dois pontos percentuais sobre a alíquota do ICMS, incidente sobre os produtos e serviços a serem definidos por lei federal como supérfluos.
Passados mais de 20 anos da promulgação da emenda, a legislação federal que definiria os bens e dos serviços considerados supérfluos nunca fora editada. Diante da omissão do Congresso, desde o ano 2000, alguns Estados passaram a instituir, mediante legislação própria e sem qualquer critério, seus fundos destinados ao combate da pobreza e, assim, a exigência do adicional de ICMS.
Era por demais comum que a alíquota total do ICMS incidente, por exemplo, sobre os serviços de telecomunicação, alcançasse o patamar de 30% sobre o valor cobrado.
Essa falta de critério fica evidente quando se analisa o conteúdo das legislações estaduais, já que era possível encontrar Estados que exigiam o adicional sobre joias, iates, helicópteros, armamentos, bebidas alcoólicas e cigarros, dentre outros exemplos e, de forma totalmente imprópria e desconexa, sobre itens claramente essenciais como os serviços de telecomunicação e o fornecimento de energia elétrica. Ao menos 15 dos 27 Estados editaram leis exigindo o adicional sobre pelo menos um dos dois itens tratados.
Diante dessa constatação empírica, pergunta-se: qual o critério de uma norma que equipara, para fins de tributação sobre bens tidos como supérfluos, a prestação de serviços de telecomunicação e o fornecimento de energia elétrica com a venda de cigarros, joias, iates e helicópteros? Nenhum.
Fato é que a cobrança do adicional de alíquota sobre esses bens em específico destoa por completo de toda a lógica constitucional e, igualmente, da própria orientação firmada pelo STF, uma vez que os princípios da seletividade e da essencialidade devem orientar a incidência do ICMS e de qualquer cobrança a ele vinculada.
No contexto específico dos serviços de telecomunicação e da energia elétrica, isso se justifica por uma questão de claríssima compreensão: é o consumidor final que mais necessita do acesso a esses bens indispensáveis à vida em pleno ano de 2022, que acaba sendo onerado com a cobrança do adicional aqui analisado.
Vejamos o tamanho do paradoxo aqui enfrentado: os Estados instituem fundos destinados a combater a pobreza, exigindo como sua fonte de financiamento uma parcela adicional da já elevada alíquota do ICMS, mas o fazem incidir sobre bens revestidos da maior relevância, como o são os serviços de telecomunicação e a energia elétrica.
Por essa razão, os custos associados a esses serviços são majorados, dificultando o acesso daqueles que tanto necessitam, e que são justamente os “beneficiários” do fundo outrora instituído.
Corroborando o quanto defendido, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou 25 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), com o objetivo de declarar inconstitucionais os artigos das respectivas leis estaduais que estabeleciam a alíquota majorada para os serviços de telecomunicação e energia elétrica. Em algumas dessas ações, a PGR também já teve o cuidado de sustentar a inconstitucionalidade do adicional de alíquota destinado ao fundo de pobreza para esses bens e serviços.
Mesmo após a edição da Lei Complementar nº 194/2022, alguns Estados passaram a defender na ADI 7.195 que o fim da cobrança do adicional sobre esses serviços essenciais irá impactar o combate à pobreza, inviabilizando necessários investimentos. O que esses Estados insistem em ignorar é que, além de inconstitucional, a incidência do adicional sobre bens e serviços essenciais, a sua cobrança é perversa e acaba onerando justamente quem os Estados alegam defender.
Espera-se que o STF, quando do julgamento das ADI antigas e da ADI 7.195, que trata da Lei Complementar nº 194/2022, confirme que a exigência desse adicional de alíquota sobre os serviços de telecomunicação e a comercialização de energia elétrica se mostra inconstitucional, por violar o princípio da essencialidade, o que exige a revogação dos normativos estaduais que ainda promovem essa exigência.
Fonte: Valor Econômico NULL Fonte: NULL